quinta-feira, 24 de julho de 2008

O Quim da ribeira

Do livro que intitulo "Chão de Alverca - Refúgio da memória", que espero tornar público até ao fim deste ano, consta um texto dedicado ao Quim.
Parte dele aqui o deixo, como homenagem ao companheiro de tantas e tantas brincadeiras, no início das nossas vidas.
Mas a dele terminou mais cedo.
"Era um dos filhos da vizinha, de entre oito irmãos na altura.
Já referido quanto ao atrevimento das suas brincadeiras, houve momentos marcantes na vivência entre os vizinhos da ribeira de Alverca.
Não era por acaso que as mães diziam que …”o que esquece ao diabo lembra-lhes a eles …”.
Um dia o Quim resolve construir uma “flaubert”, ou melhor, um canhangulo a que dava esse nome, por estar muito em moda a utilização desse tipo de espingarda.
Recorreu a um tubo galvanizado das canalizações da água, para servir de cano, e construiu uma coronha muito rudimentar.
Para tapar o cano na parte em que havia de situar-se a câmara de explosão, não havendo forma de o soldar, com um serrote degolou parcialmente o cano, deixando uma pequena língua que depois dobrou sobre um taco de pau de oliveira, introduzido à pressão.
Para provocar a explosão fez um pequeno orifício na parte superior onde colocava um estalinho carnavalesco que era percutido por uma armação de arame puxada por um elástico.
Pronto para ser experimentado o engenho, havia que carregá-lo, o que foi feito com pólvora atacada pela boca e diversos rebites e cabeças de pregos como projécteis.
Aí se coloca o Quim com o fuzil no ombro e toca de disparar.
Alguns curiosos, como era o meu caso, estavam nas costas do Quim, pensando estarmos a recato de qualquer perigo com o disparo.
Mas foi para aí mesmo que surgiu a explosão, porque na verdade o tiro saiu mesmo pela culatra, não havendo danos a lamentar por mero acaso.
Apenas a cara e a orelha direita do Quim saíram chamuscadas com a experiência.
Por outra vez, já depois de alcatroada a estrada nacional mas com raro tráfego, principalmente à noite, quis o Quim proporcionar-nos um espectáculo de fogo de artifício, com pólvora da que utilizou no canhangulo.
Coloca no chão diversos montinhos, ligando-os através de um pequeno rasto da mesma pólvora, também espalhada pelo chão.
Supondo que a queima do rasto iria ser mais retardada que a dos montinhos, prolonga o rasto até perto de si e coloca-se ajoelhado com a cara muito perto dos montinhos de pólvora, de modo a ver bem o efeito.
Só que a queima da pólvora, tanto do rasto como dos montinhos, foi instantânea e o resultado foi uma vez mais desastroso para o Quim.
Tanto a cara como o cabelo ficaram logo chamuscados, mas o pânico foi-se instalando quando ele gritava que não via nada.
Felizmente que também recuperou desta brincadeira, sem outros danos que não fosse a chamuscadela.
Sempre pronto para fazer o que os companheiros lhe pediam, um dia foi colher figos numa grande figueira que havia junto do poço da pontaria.
Por baixo da mesma havia um monte de pedras.
Os companheiros que estavam no chão iam dando indicações quanto aos figos com melhor aspecto, sempre nas pontas das pernadas da figueira, e o Quim ia-se deslocando para lá.
Gostando de mostrar as suas habilidades, deslocava-se pelas pernadas em pé e sem se agarrar a qualquer uma das outras.
É num desses momentos que escorrega, perde o equilíbrio e sai de cabeça na direcção do monte das pedras.
Por sorte que um dos pés encontra a forcalha de uma das pernadas e aí fica suspenso, qual artista de trapézio, à espera que o socorressem.
Lá lhe acudimos com uma escada, que o ajudou a erguer-se e descer em segurança.
Mas o Quim era por vezes vítima da sua vontade em ajudar os companheiros de brincadeira.
Todos aprendemos a nadar, tanto na ribeira como nos tanques ou poços que houvesse nas redondezas, sempre “à pai Adão”, como soava dizer-se da nossa condição de nudez.
Algumas vezes aconteceu que os donos dos tanques se aperceberam da nossa situação e confiscaram a roupa.
O grande problema era regressar a casa sem as vestes, o que chegou a acontecer.
Mais tarde a roupa lá apareceu, para nosso descanso.
E foi num desses actos de boa vontade que um dia o Quim carregou com um enorme melão retirado da horta do pai, até à ribeira da Meimoa, situada a uma légua bem medida.
Fomos para nadar e comer o melão depois do banho.
Só que o Quim demorou longo tempo a disfrutar das cálidas águas e quando saiu já os companheiros haviam devorado o melão e encetado o caminho de regresso.
Quando o Quim se apercebe que estava só e com as cascas do melão sobre a roupa, praguejou, insultou e foi um problema para o acalmar quando finalmente recuperou o atraso e se juntou ao grupo.
Mas das travessuras do Quim muitas haveria para contar, como a que se relata a seguir.
Por altura da chegada das aves migratórias, como os tordos ou taralhões, o meu irmão também de nome Joaquim, ou melhor Quim, gostava muito de armar o costil e caçar alguns exemplares destas aves.
Nesse dia a caçada não estava a resultar, mas apercebeu-se que alguns desses pássaros já tinham estado presos na armadilha mas haviam desaparecido.
Escondeu-se a aguardou que algo acontecesse.
E o que aconteceu foi o Quim da vizinha apanhado em flagrante a retirar o pássaro que já lá estava aprisionado.
Apenas aconteceram alguns tabefes.
... ... ..."
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1 comentário:

jjoão disse...

Olá, mais uma vêz espero que tenha mais uma na manga para contar, porque em relaçao á nossa junventude, há sempre muito que contar, e é sempre bom recordar mesmo que com alguma tristeza os amigos que já partiram.Em relaçao ao "Joaquim da Ponte"não vou fazer comentários por seria de mau gosto, falar de quem já partiu mas sem querer ofender penso que há sempre aqueles que ficam conhecidos como cromos...