segunda-feira, 2 de março de 2009

GOLGOTA JASNOGÓRSKA - JASNA GÓRA

Adequada ao tempo que vivemos, puxo acima este texto.
VIAGEM BERLIM - VARSÓVIA
O relato desta viagem já foi feito. Porém, durante a mesma houve um momento muito especial, ocorrido quando nos deslocámos ao Mosteiro de Jasna Gorá, Czestochowa, que encerra o ícone de Nossa Senhora, conhecida como Virgem Negra e venerada como "Rainha da Polónia".
Aí nos proporcionaram a observação de uma colecção de painéis da autoria do pintor polaco Jerzy Duda Gracz, expostos numa galeria mais recatada do Mosteiro, que nos permitem uma "visão" das estações da Via-Sacra bem diferente daquela que habitualmente nos é dado observar.
No meu caso, a despertar uma curiosidade sem limites, que não terminou com as explicações que ali nos foram dadas, mas tem prosseguido até uma completa tradução do texto associado a cada imagem, no sentido de compreender todo o seu alcance. Penso tê-lo conseguido de forma bastante fiel.
Designa-se de Golgota Jasnogórska e a Paixão de Cristo é inserida num contexto e com figuras do nosso tempo, com uma envolvência muito particular da realidade polaca, como que a querer simbolizar a sua própria Via-Sacra.
O próprio autor dos painéis "coloca-se em cena" na Estação V - O Cireneo.

ESTAÇÃO I - Pilatos
Jesus está diante de Pilatos. Este facto motiva as nossas dúvidas e cria sensação nos media. - O Acusado é sincero e autêntico, considerando que o Seu Reino não é deste mundo? Cristo, mergulhado na sombra, fecha os olhos ante as leis terrenas, pois sabe que Ele não é réu mas o Juiz Celestial, que virá para julgar os vivos e os mortos. Ele será o Juiz Divino, bom e brilhante como o sol, ao contrário de Pilatos que apenas brilha sob a luz artificial dos projectores, de modo a que todo o mundo veja como lava as suas mãos do sangue do Cordeiro.

ESTAÇÃO II - Eis o Homem (Ecce Homo)

Aquele que inicia o Calvário na companhia de dois ladrões é nosso Deus, e apesar deste facto Ele carrega humildemente nas costas a Sua cruz. Pudesse Ele tomar sobre Si as nossas cruzes, muletas e membros artificiais, suportando o peso do sofrimento humano. Agradecido ao peso da cruz, Jesus torna-se um apoio para o sofrimento, fazendo milagres de cura. “…na Sua ferida a nossa salvação”. (Is 53, 5).

ESTAÇÃO III - A primeira queda

Estamos surpreendidos e ficamos aflitos pela fraqueza de Cristo e pela falta de intervenção angélica. Desviamos o olhar desta humilhação e não notamos qualquer sinal do sol sobre Ele. Cegos de espanto negamo-lo como nosso Salvador, continuando a imitar a fraqueza de Pedro, a Pedra sobre a qual Jesus construiria a Sua Igreja. Esquecendo-se disso “Deus poupará a humanidade graças às quedas de Jesus sob o peso da cruz”. (Card.K.Wojtyla, 1976, Retiro de Quaresma no Vaticano).
ESTAÇÃO IV - A Mãe

No Gólgota polaco Jesus não encontra sua mãe como um ser humano, mas sim Maria retratada na pintura de Jasna Góra e todas as mães são reflexos da sua imagem. A Hodegetria de Czestochowa indica o caminho da salvação. Pela primeira vez Jesus, durante a sua paixão, e Cristo-Emmanuel estão um ao lado do outro. Emmanuel é o início da Via, a Cruz o Seu fim. Nossa Senhora de Czestochowa e todas as Mães em sua peregrinação eterna, vão até Deus através do Gólgota . Irão conceber, darão à luz e irão sepultar, criando o acto perpétuo de Salvação e Redenção. As mães sob as cruzes de filhos humanos têm uma dimensão divina, quando os seus corações são trespassados por uma espada para cumprir as Escrituras.

ESTAÇÃO V - O Cireneo

“Era tão íntimo, mais próximo que Maria, mais próximo que João, que – por ser homem – não foi chamado para ajudar. Quanto durou esta coacção? Enquanto durou a caminhada a Seu lado, sublinha que não teve nenhuns laços com o condenado, a Sua culpa e o Seu castigo”? (Card.K.Wojtyla, 1976 Retiro de Quaresma no Vaticano). Foi necessária a coacção para quebrar as vulgaridades da vida e as celebrações enfadonhas. Foram necessárias a humilhação, o temor a estranhos e o temor à solidão para descobrir o Pão da Vida maltratado sob o peso da cruz.

ESTAÇÃO VI - A Veronica

Vera Ícon, que o mesmo é dizer “Imagem Verdadeira”. A “Imagem Verdadeira” de Cristo no homem é como o gene da dor, da doença e do sofrimento. Somos, nós os que foram criados à Sua imagem e semelhança, uma obra de misericórdia, um retalho do véu de Verónica? Este véu podia tornar-se uma bandeira de toda a humanidade na terra, sem sinais adicionais, símbolos e cores. A bandeira branca com imagem de Cristo simboliza a rendição humana ao Seu amor, pois “tudo aquilo que haveis feito a um destes meus irmãos, mesmo ao mais pequeno, havei-lo feito a Mim”.(Mt 25, 40).

ESTAÇÃO VII - A segunda queda

"É do conhecimento comum que as horas antes de férias são frequentemente agitadas. E as ruas são lotadas". (Card. K. Wojtyta, 1976 Retiro da Quaresma no Vaticano). A segunda queda de Jesus acontece ante uma multidão de pessoas ocupadas e tumultuosas, pois é Semana Santa e dentro de dias será Páscoa. Somente palmas tradicionais são deixadas do Domingo de Ramos, quando recebemos Jesus, comemorando a sua entrada em Jerusalém. Cristo caiu, mas continua a lutar, ainda está vivo e nós já o enterramos e cobrimos de violetas. Só um cão, que não classifica acontecimentos, notícias, reconhece e percebe que Deus está vivo.

ESTAÇÃO VIII - As mulheres de choro (carpideiras)

A consolação oferecida à mulher é o segundo encontro com a Mãe – um farol guiando-nos na Via da Salvação, mas desta vez através da penitência. O sofrimento de Cristo dizendo “(…) não chorai por mim, mas chorai por vós e por vossas crianças” (Lc 23, 28) nos dá a esperança que um verdadeiro arrependimento é uma oportunidade para o perdão dos pecados. Esta Estação mostra-nos a origem do diálogo e da misericórdia. As mulheres não choram por Deus, mas através da dor do parto elas sentem piedade do Filho do Homem, assim como Ele o havia dito.

ESTAÇÃO IX - Terceira queda

Esta é a continuação da Estação anterior, onde encontramos o choro por nossas crianças. “Humilhou-se e tornou-se obediente à morte” (Fil 2, 8). Desta vez, porém, é Jesus a chorar. Pelo sofrimento das crianças, o Filho de Deus sofre mais. Está desamparado como criança no seio da mãe. A Paixão de Cristo é também por meio do bater, molestar, violentar e matar os mais inocentes. Esta paixão também acaba com a Salvação. Por trás do inferno das crianças há a escada de sonho do Jacob. Antes de tudo, ele providencia acesso às crianças, que ascenderão com ele, antes de todos os mártires, “…pois deles é o Reino do Céu”.

ESTAÇÃO X - Jesus é despojado de suas roupas

O corpo de Jesus se liga iconograficamente com a parábola sobre a mulher pecaminosa e o atirar da primeira pedra por quem não tem nenhum pecado. O "pecado" de Jesus é a sua natureza humana, o seu corpo - o Corpo de Deus. No entanto, nós vemo-Lo como um corpo branco numa custódia dourada, adorado em procissão solene, acompanhada pelo tocar de sinos. Perante este corpo nós jogamos pétalas de rosa em vez de pedras, sem ver a nudez humilhante do Corpo do Filho de Deus. No entanto, "o Corpo de Jesus simboliza o amor do Pai. Este Corpo desnudado cumpre a vontade do Filho e a vontade do Pai". (Card. K. Wojtyla, 1976 Retiro de Quaresma no Vaticano) “(...) faço sempre aquilo que a Ele agrada (ao Pai)”. (Gv 8, 29).

ESTAÇÃO XI - A crucificação

Pregado à cruz sem quaisquer executores. Cristo coloca-se na cruz “pregado” pela dor humana, pelo martírio de vítimas que sofreram e morreram nas prisões, campos de concentração e lager (cerveja alemã), por Deus e pela Pátria. Recordamo-Lo em símbolos da Via polaca da Cruz, que conduz à nossa Ressurreição. Um vagão – um monumento aos mártires mortos no Leste – e um veículo “monumento” ao martírio do padre Popieluszko(1). São coroados na Estação-Monumento ao Cristo Crucificado, no qual não existe o orgulho do martírio, característica da dor e do medo humano. “(…)Furaram as minhas mãos e os meus pés, contaram todos os meus ossos”. (Sal 22(2), 17-18).

(1)- Padre Jerzy Popieluszko, perseguido e morto pelo regime comunista em 19/10/1984.

ESTAÇÃO XII - A agonia

Consumatum est. É acabado. Quando Jesus clama da cruz: "Eli, Eli, lem sabachthani"? (Mt 27, 46), é como o homem do nosso tempo sem esperança e no desespero. No seu "blasfemo" apogeu de solidão e agonia Ele vem perto de nós, reduzindo a sua Divindade à miséria e à fraqueza humana. Graças a este facto, o momento da morte do corpo de Jesus multiplicou e libertou cruzes através da Terra e as pessoas entenderam que por seguir Cristo todos têm que morrer para viver. "Homem que olha estes braços pode pensar que cingem o homem e o mundo com o maior esforço. Cingem! Aqui está o homem. Aqui está o próprio Deus". (Card. K.Wojtyla, 1976 Retiro de Quaresma no Vaticano) "Porque n’Ele nós vivemos, nos movemos, e existimos". (At. 17, 28). A nossa nação também gera crentes de Jesus Cristo e o seguem na dor de sua Mãe, Rainha da Polónia. Todos eles.

ESTAÇÃO XIII - Pietá

O Cristo Polaco nos braços da Mãe de Deus, com o Seu martírio e a Sua morte liberta o Inferno Polaco. É Anastasis(1), descendo ao inferno para libertar as almas de nossos mártires e heróis. No entanto, Jesus não entra no Limbo como um vencedor, como um herói; Ele entra como o Martirizado Corpo Humano, que liberta e abre portas, “ (...) e seu reino não terá mais fim". (Lc 1, 33).

(1)- Do texto de Philippe Gebara, em Iconografia:- "No tipo ícone da Anastasis (Ressurreição) do século XIII, Cristo encontra-se na sua gloriosa mandorla, rodeada por estrelas, de pé sobre os portões quebrados do inferno e sobre os símbolos dispersos da escravidão do pecado, levando tanto Adão, quanto Eva pela mão e os apanhando para fora de seus túmulos".

ESTAÇÃO XIV - O sepulcro

Por mais de 2000 anos nós temos estado perturbando a paz da morte corporal de Jesus Cristo, do tempo de José de Arimathea até hoje. O Túmulo de Jesus tem sido, durante séculos, lugar de fundação para teorias e livros, proclamando sua derrota ou inexistência. Hoje, no cemitério polaco de Oswiecim (Auscwitz) é esmagado por uma pilha de cruzes, que são profanadas e jogadas fora para o chamado Zwirowisko (pedreira). Não obstante, neste Sepulcro Jesus vive e ressuscitou no Terceiro Dia de acordo com as Escrituras. "Onde está, Oh morto, a tua vitória? Onde está, Oh morto, a tua lança"? (I Cor 15, 55) Morrendo destruiu a nossa morte, ressuscitando restaurou a nossa vida.

Quando acabo este relato, que vem sendo feito há bastante tempo, pela exigência que coloquei quanto à tradução, mas adimitindo sempre as imprecisões, já me foi dado assistir a uma conferência do Professor Doutor António Lopes de Sá, de 82 anos, a maior referência da contabilidade brasileira, que, justificando a sua eloquência e a sua prolífera edição de livros sobre contabilidade, cerca de 200, disse que "recebeu de Deus a dádiva da facilidade em falar e escrever, mas como Deus cobra sempre por todas as dádivas, ele tinha de pagar essa dádiva escrevendo e transmitindo o seu saber aos outros".

Sem querer equiparar-me ao Professor Lopes de Sá, acho que a pequena dádiva que posso pagar a Deus é dar a conhecer a existência do Golgota Jasnogórsaka. Nada fiz até hoje que me fizesse sentir tão gratificado.

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