quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O "Dr.César Botelho"

VIAJANDO NO TEMPO

Faço vénia e agradeço ao director do Jornal do Fundão, pelo que li na revista que acompanhou o semanário de 13/08/2009, e que me permito transcrever:

"Não se lembram do dr.César Botelho na sua oficina de latoaria, que o Timã, como quem desenha um cartão de visita, sugeriu que deveria ter na parede como chamariz publicitário:
O dr.César ! Baixinho e gordo, cara redonda e farta bigodaça, eximio tocador de trombone, músico da Banda (quando havia Banda e ele não se zangava), benfiquista frenético, o dr.César Botelho, quando o seu clube ganhava, retirava o instrumento do recato do lar e saía à rua, de cachecol vermelho ao pescoço, espalhar o som pelos lugares anunciando a boa nova. Nesta peregrinação, dava-lhe a sede e ele matava-a bem, olá se matava, em tascas onde o convidavam para rodadas de copos de três ou penaltis que se bebiam de um trago. E com combustivel assim renovado, lá ia ele, abraçado ao pesado instrumento, pom-pom.
Este dr.César Botelho ia às vezes, por desfastio, ao Aliança. Mas dizia que acampava lá um colega, um médico com o mesmo patronímico, um sovina de primeira categoria, e ele não queria confusões. Deus o livrasse disso. E contava que já, por mais de uma vez, à boa paz do café, o tinham chamado de urgência ao telefone e ele na boa fé lá ia. Depois do outro lado do fio perguntavam:
- Está é o dr.César ?
- ...
- Estou eu práli a gastar o meu latim, à espera de ir socorrer alguma artéria de canalização entupida, e afinal é um rendeiro que quer pagar a renda ao outro ... ou alguém a pedir um atestado médico, que é a sua grande especialidade clínica.
O Timã chama-o para a mesa.
Como é que vai o campeão da lata ?
- Eu bato muita na minha oficina e às vezes ela já me tem faltado. É que há cada vez mais praí gajos cá com uma latosa ! Gastam-na toda ...
O Timã toca-lhe na música, que é o ponto sensível do dr.César Botelho.
Então, diga lá, quando é que põe a boca no trombone e dá umas gaitadas para pôr esta marmelada toda a tremer ?
- Ora, isto agora está uma merdice, tão reles, que o trombone já não acorda ninguém, estão todos podres de sono - responde ele na galhofa. - Era preciso uma Banda inteira, mas com um grande naipe de bombos, como os de Lavacolhos, para os acordar ! E, se calhar, nem assim abriam o olho."
---oOo---
Já lá vão 45 anos, tinha eu uns envergonhaditos 20 anos, queria estar perto da minha amada e acompanhá-la a ver televisão, que na altura só se ia vendo nalguns cafés, como o "Misérias" ou o Aliança. Ela já me tinha aceite namoro, havia cerca de dois anos, e à sucapa lá nos íamos encontrando.
Mas para me aproximar dela à vista dos pais e poder acompanhá-la ao café, tinha de pedir autorização ao pai.
E as circunstâncias forçaram-me a esse gesto de coragem.
Sabe Deus então com que nervoseira, lá me aproximei do "dr. César Botelho" e pedi a necessária autorização para namorar com a filha. Que tempos ...!!!
Foi a primeira vez que falei com ele, mas fui bem sucedido, vindo a tornar-me seu genro.
Acompanhei por isso uma boa parte da sua vida e fui testemunha de um manancial de estórias, que não seriam possíveis em qualquer outro. Só do "dr.César Botelho"... !
Mas a par da música e do seu amor clubista pelo Benfica, que levou a que se dissesse que "ele gostava mais do Benfica do que da família", tinha uma outra grande paixão - era um bombeiro totalmente dedicado à causa e a sirene fazía-o saltar como uma mola, correndo para o quartel enquanto se equipava com o fardamento que estava sempre atrás da porta, pronto a ser vestido.
E não resisto a deixar aqui a referência a uma dessas estórias:- em dia de Procissão do Senhor dos Passos, levava no ouvido o auricular do rádio para ouvir o relato do seu Benfica. A certa altura o glorioso marca um golo e o "dr.César", de lanterna nas mãos, não se contém na exteriorização da sua alegria.
E de tal maneira o fez que quase mandava abaixo o andor do São João.
Vídeo com imagens de arruada e de pic-nic no 2º. "1 º.de Maio" em liberdade

O texto da revista, que tanto nos tocou, fez-nos recuar no tempo, ainda que nos pareça não ter passado nenhum tempo desde a sua partida, e já lá vão sete anos.
Obrigado, Fernando Paulouro.
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