segunda-feira, 16 de julho de 2012

Memórias de um recruta... (2) - a especialidade

Foi em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, que decorreu o curso da especialidade que, no meu caso, foi a de Artilharia de Campanha.
Na altura, a Escola Prática de Artilharia era comandada por Manuel Maria Delgado e Silva, cujo mandato durou de 1965 a 1967.
A partir daqui, será inserido o relato dos episódios que marcaram o curso, sem garantia de que haja uma cronologia na inserção dos mesmos, já que aqui adoptei a forma de escrever ao sabor da memória. Espero que ela me ajude a reconstituir, se não todo, a maioria do percurso.
E vamos ao primeiro episódio.
O cartão de visita
Cheguei a Vendas Novas, ido da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, no dia 22 de Agosto de 1966, utilizando o comboio do ramal do Setil.
Embora tendo chegado mais cedo, só me apresentei no quartel ao princípio da noite, no limite do tempo que o dia permitia.
Sempre era menos um dia de sol que passava fechado.
A guia de marcha que levava comigo, dizia que deveria apresentar-me no Centro de Instrução (C.I.) da Escola Prática de Artilharia.
E assim fiz.
Estava de serviço ao C.I. um oficial que tinha na lapela uma placa de identificação que dizia: - Capitão Norte.
Dirijo-me a ele, fazendo entrega da guia de marcha e, por sua vez, ele entrega-me um boletim que devia preencher com os meus dados pessoas.
Indica-me uma mesa que havia no gabinete, que podia utilizar, retiro uma esferográfica do bolso e começo a escrever.
Acontece então o inesperado: da manga direita do meu blusão sai um bicharoco, desce pela mão, depois pela esferográfica e “estaciona” no boletim que estava a preencher.
Como eu parei de escrever, para ver o que acontecia, o Capitão Norte apercebe-se também da presença daquele intruso e pergunta muito espantado:
- O que é isso, pá ?
- Um percevejo, meu capitão - respondi eu.
Incrédulo, reforçou a pergunta:
- Um percevejo ??
- Sim, meu capitão, um percevejo… mas este é um percevejo especial, porque é também o cartão-de-visita do destacamento da Escola Prática de Cavalaria, de Santarém.
Claro que a seguir passou a percevejo esborrachado… e muito mal cheiroso.
Tive de explicar depois o que tinha acontecido no destacamento da E.P.C. e das condições que permitiram uma situação daquelas.
Hotel de 5 estrelas mas…
Depois de sair do gabinete do Capitão Norte, fui encaminhado para as instalações do C.I., com a sua recomendação para que sacudisse toda a roupa que trazia vestida, não fosse o caso de trazer algum outro passageiro clandestino.
Ao mesmo tempo ficaria instalado nos novos aposentos.
Lembro-me de ter manifestado o meu espanto pelas instalações, dizendo que aquilo até parecia um hotel de 5 estrelas, face às condições que tínhamos no destacamento da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém.
Aqui, as camaratas pareciam quartos, com um número de camas bastante limitado. Creio que eram 8 camas-beliche em cada camarata.
O que, para o serviço militar, me parecia ser um luxo.
Mas depressa esfriou o meu entusiasmo pelas condições das novas instalações, quando me perguntaram se conhecia o comandante do Centro de Instrução.
Face à minha resposta negativa, puseram-me então ao corrente do rigor disciplinar que ele ali  impunha, inspirando um temor enorme a todos os que lidavam com ele, fossem oficiais, mesmo da sua patente, sargentos, praças ou instruendos.
Era o capitão Oliveira, com formação nos comandos.
Embora a esta distância no tempo, lembro-me de ouvir dizer que, após o 25 de Abril, passou a ser o 2º. Comandante do Regimento de Comandos da Amadora, então comandado por Jaime Neves.
Capitão pisca-pisca
Era, pois, este capitão Oliveira que na Escola Prática de Artilharia comandava o C.I. e que todos conheciam por “capitão pisca-pisca”.
Homem de baixa estatura, quando falava com alguém posicionava-se de pernas afastadas e tinha a característica de não encarar as pessoas de olhos abertos.
Ficava com eles cerrados ou semi-cerrados, ou ainda com eles a tremelicar, daí derivando o epíteto de “capitão pisca-pisca”.
Muitos episódios haveriam de vir a justificar, com toda a razão, o temor que ele inspirava.
E, ironia das ironias, foi para o gabinete do Capitão Oliveira que eu fui requisitado, após terminar o curso da especialidade, passando com ele mais de meio ano, até ser mobilizado para Angola.
Mas todos os homens, por mais “duros” que sejam, dão a conhecer facetas que nos surpreendem, mostrando que o ser humano é afinal como uma moeda, tem sempre duas faces.
E no momento próprio aqui deixarei o relato de algumas situações que o atestam.
Levava a disciplina a este ponto… !!!!
Não sei se tudo aconteceu como era contado.
Havia em Vendas Novas, oficiais com residência em Lisboa, portanto a cerca de uma hora de caminho, que por vezes iam passar a noite com a família, regressando pela manhã, a tempo de começar o seu serviço normal.
O que se dizia é que numas das vezes o capitão Oliveira pede boleia a um desses oficiais, com a patente de tenente, passa também a noite em Lisboa e faz com ele o regresso a Vendas Novas, para ambos retomarem o serviço no dia seguinte.
Ao chegar ao quartel, participou do oficial, companheiro de viagem.
A razão era a de que esse oficial não teria solicitado, como os regulamentos determinavam, a autorização para se ausentar do quartel.
Se isto foi verdade, confirmava-se que a disciplina, para o Capitão Oliveira, era mesmo para ser levada ao limite.
Oferecer o corpo à bola… uma experiência dolorosa… nas bolas !
Era da praxe que, no início de cada turno do curso de CSM, se realizasse um jogo de futebol entre os “velhinhos” e os “maçaricos”.
Como “velhinhos” entendia-se que eram os cabos milicianos ou já sargentos milicianos, saídos de cursos anteriores e aguardando colocação ou já colocados na Escola Prática de Artilharia.
Como “maçaricos” os que estavam a iniciar o referido curso. Era o meu caso.
Mesmo não tendo qualquer jeito – nunca tive - para o pontapé na bola, lá fui integrado na equipa dos “maçaricos”.
Fui posto como defesa, porque lá na frente sempre tinha de fintar os adversários e marcar golos, enquanto cá atrás era só desfazer jogo e tentar evitar golos.
A dada altura surge na minha frente um adversário pronto a rematar para o golo.
Na minha tarefa de os evitar, “ofereço” o corpo à bola e consigo que ele não concretize os seus intentos.
Mas tendo “oferecido” o corpo à bola, não contava que ela escolhesse um sítio tão melindroso para o embate… nada menos que o baixo-ventre.
Então senti que o mundo estava mesmo a desabar sobre mim.
Não conseguia respirar, entro em convulsão e o que tinha comido foi logo despejado.
Quanto à dor… nem é bom pensar.
Era lancinante, e só me levava a pensar que os “tarecos” tinham ficado esborrachados, como ficou o percevejo.
Começaram então a fazer-me uns exercícios, levando os joelhos quase à cabeça, e ao fim de um certo tempo lá consegui caminhar para fora do campo.
Mais tarde, já recuperado mas muito dorido, ainda me gozaram, contando-me a anedota daquele sujeito que estava na sala de espera de um hospital e onde muitas mulheres iam falando de diversos tipos de dor.
Uma dizia que não havia pior que uma dor de dentes;
Outra dizia que, pior, era a dor causada por um panarício;
Outra dizia que era uma cólica renal;
Outra, ainda, dizia que era parir um filho...
Até que o sujeito, farto de tanto ouvir falar em dores, disse:
- Óh minhas senhoras, se algum dia levassem um pontapé nos tomates, é que ficavam a saber o que era dor… !!!
A reconstituição destes episódios
É verdade que quase todas as situações são reconstituídas de memória.
Mas também é verdade que tenho uma preciosa ajuda, por parte do meu arquivo.
De facto, ao longo dos anos, sempre tive o hábito de deixar coisas no caixote das recordações.
Se algumas delas são pouco mais que lixo, outras têm-se revelado duma utilidade extraordinária, ajudando à reconstituição de situações que não imaginava pudessem vir a ser relembradas.
É o caso destas memórias da recruta e da especialidade, em que as imagens são verdadeiras preciosidades.
Mas não só.
De entre as coisas da especialidade em Vendas Novas, vou encontrar o caderno dos apontamentos que fui tirando ao longo do curso.
Uma sebenta, com o registo da matéria que nos era dada, sempre acompanhado de uns desenhos para ilustrar as situações.
Nesse caderno também se encontra a relação dos apelidos e das classificações finais dos companheiros de curso, para além das provas e testes por mim efectuados, bem como das notas obtidas.
Campanha – a minha especialidade na Artilharia
Para além da especialidade de Artilharia de Campanha, que foi a minha, também havia as de I.O.L. (Informação, Observação e Ligação), Transmissões e Topografia.
Creio serem estes os nomes e não ter esquecido nenhuma.
Tais especialidades, eram comuns aos cursos de Oficiais Milicianos e Sargentos Milicianos.
Da mesma forma que aconteceu na recruta, na especialidade não era descurada a nossa preparação física, mas também nos era ministrada preparação técnica que nos habilitaria para os palcos de guerra, como era o caso da guerra nas antigas colónias.
Mas a educação cívica andava a par da educação militar e ambas eram muito exigentes, nesta se destacando os deveres militares e a disciplina militar.
A Artilharia de Campanha, como já o referi, tinha a ver com as peças de artilharia (canhões) e os obuses, por conseguinte sempre afastadada do local das operações propriamente ditas, entre 3.500 e 12.250 mts., dependendo do tipo de granada.
Por isso, se os militares das outras especialidades, quando envolvidos nos exercícios a simular uma guerra convencional, se posicionavam em terrenos mais avançados, a Artilharia de Campanha posicionava-se na rectaguarda, de onde seriam lançados os projécteis para o “campo de batalha”, situado para além da posição desses outros militares.
Em Vendas Novas, para os exercícios com fogo real envolvendo a Artilharia de Campanha, havia o chamado polígono militar, para onde se faziam os disparos.
Por vezes éramos deslocados para mais de 10 km de distância, daí se fazendo tais disparos, cuja trajectória até podia coincidir com o alinhamento da povoação de Vendas Novas, dependendo do sítio em que éramos posicionados.
Algo que me fazia grande confusão era saber que, no momento dos disparos, havia sucateiros que se introduziam no polígono, bem perto do sítio onda caíam as granadas, para apanhar os restos metálicos que sobravam do seu rebentamento.
Eram diversos os sucateiros, mas havia entre eles uma convenção que permitia que cada qual assinalasse o sítio da queda da granada que lhe cabia, onde no final da sessão de fogo iriam recolher os destroços.
Contava-se que houve gente apanhada pelo fogo, mas os riscos eram impostos pela necessidade de realizar algum dinheiro com a venda da sucata, porque a sobrevivência o exigia.
A semana de campo do curso
O curso culminou com a semana de campo, durante a qual fomos levados a pôr em prática todos os ensinamentos que nos haviam ministrado.
De dia ou de noite eram similadas situações em tudo semelhantes às que poderiam ser vividas em operações de guerra, sendo testada toda a nossa capacidade para a elas reagir.
O inesperado de muitas das situações conferia-lhe todo o realismo que se procurava atingir com esses exercícios, até porque nos colocavam mesmo perante fogo real, o que não deixava margem para o erro.
Se bem que tudo fosse programado e calculado para que não houvesse acidentes fatais, nunca havia a garantia de que os mesmos não acontecessem.
Era, pois, com o maior dos alívios que se ouvia a voz de fim de exercícios da semana de campo e regresso ao quartel, onde nos esparava o banho que iria aliviar-nos da carga de poeira acumulada em cima de nós durante essa semana.
Para além disso, era também muito reconfortante para nós saber que a seguir nos era concedida uma semana de férias em casa, privilégio que embora não estivesse previamente anunciado, já fazia parte da  tradição.
Carneiro, o judoca – incapaz para o serviço militar
Dos camaradas idos da Escola Prática de Cavalaria, embora não companheiro do mesmo pelotão, um era o Carneiro, de S. Romão do Coronado.
O tal que me aplicou o golpe de judo e malhou comigo no chão, já aqui relatado num dos episódios da recruta.
Estava na mesma camarata, em Vendas Novas, até muito perto de mim, mas estaria integrado noutro pelotão, pois não me recordo da sua participação nas actividades militares em que eu participava.
Notava, sim, que se ausentava diversas vezes, permanecendo fora durante algum tempo.
Um dia ouvi-o dizer que as ausências tinham a ver com as suas idas ao Hospital Militar, devido a um problema físico relacionado com uma perna, que seria mais curta que a outra.
Por causa disso, tentava que o considerassem incapaz para o serviço militar.
Consequentemente, também se livrava de ir para o ultramar.
Como referi, não me lembro das suas movimentações, mas ao ter registado no meu caderno de apontamentos os apelidos de todos os companheiros de curso, com as respectivas notas classificativas finais, vim a dar-me conta que em último lugar registei:
- Carneiro – incapaz para o serviço militar.
O que não deixa de ser irónico e, por isso, aqui o refiro expressamente, é que o praticante de judo que aplicou o golpe que me fez sentir, de forma bastante dolorosa, a dureza do solo da parada da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, tenha sido dado como incapaz para o serviço militar.
Trovoada… com descarga eléctrica …
A quando do desenrolar do nosso curso e no regresso das instruções no campo, todos desejávamos chegar ao duche o mais rapidamente possível.
Numa das vezes uma trovoada fazia a sua ameaça sobre Vendas Novas.
Indiferentes a esse facto, fomo-nos dirigindo para o duche, como era habitual.
Todos fomos tomando banho e saindo, à medida que o completávamos.
A dado momento, acontece um relâmpago e um violento trovão, ao mesmo tempo que um companheiro que ainda se encontrava debaixo do duche solta um forte grito.
Os companheiros que ainda permaneciam nas instalações acudiram-lhe de imediato, retirando-o para outra área das instalações, mas constataram que ele se encontrava muito combalido.
Dizia, repetidamente, que tinha apanhado um grande choque eléctrico quando estava debaixo da água, no momento em que se viu o relâmpago e ouviu o trovão.
Boleia falhada… 17 km de marcha !
De Vendas Novas, ir passar o fim-de-semana ao Fundão, não era uma tarefa muito facilitada, para quem não tinha transporte próprio.
Como era o meu caso e o de muitos outros, na altura.
Restava como alternativa o comboio, que impunha uma noite de viagem, se não houvesse a possibilidade de antecipar por algumas horas a partida, o que permitia apanhar um comboio com chegada ao princípio da noite.
Nos bancos de madeira do velho comboio do ramal do Setil, fazia-se o percurso de Vendas Novas precisamente até ao Setil, aí se aguardando por outro comboio que fosse para a Beira Baixa e passasse pelo Fundão.
O regresso impunha outra aventura semelhante, que começava no domingo à tarde, chegando a Vendas Novas pela madrugada.
Claro que tantas horas de comboio, permitiam retemperar forças, dormindo. Apesar das repetidas viagens, das horas dormidas durante as mesmas, nunca fui além da estação em que devia abandonar o comboio.
A dada altura, soube de um amigo que estava na tropa em Sacavém, que tinha a possibilidade de trazer para fim-de-semana as viaturas que necessitavam de “fazer a rodagem”.
Eram viaturas do tipo Unimog, usadas pelo Exército Português no transporte de pessoal, e então passei a ter a possibilidade de usufruir desse transporte até Pegões, dali me desenrascando, à boleia, até Vendas Novas.
Embora isso implicasse também a noite inteira de viagem, recolhendo outros camaradas distribuídos na ida, a verdade é que era sempre um enorme divertimento fazer essa viagem, com peripécias incríveis, como a de alguém que enjoou, vomitando os dentes postiços que usava.
Difícil foi encontra-los na estrada, com todo o pessoal a seguir o rasto da “comida entornada”. Mas conseguiu-se.
Se bem que, andar à boleia, nunca tenha sido o meu forte, um dia aceitei a sugestão de um familiar para ir no autocarro de Vendas Novas até Estremoz, para ali apanhar boleia numa  camioneta da firma Martins & Rebelo, que habitualmente ia buscar leite para o Fundão, onde esse familiar trabalhava.
Assim fiz.
Chegado a Estremoz vou procurar a firma Martins & Rebelo, mas ali já não havia camioneta que me levasse para o Fundão.
Só me restava tentar a boleia, pondo-me então a caminhar na estrada que liga Estremoz a Sousel.
Sempre de braço no ar, acenando aos carros que passavam, fui caminhando, caminhando, mas de boleia, nada.
Ninguém parava e a noite apanhou-me na estrada, a penantes.
E caminhei durante umas quatro hora, até chegar a um café de Sousel, por volta das 23,00 horas.
Ao entrar, dou de caras com um outro militar que vira no autocarro, também vindo de Vendas Novas, que me diz ter tido o mesmo insucesso na boleia e ter feito igual trajecto, apenas com meia hora de avanço, o tempo que eu perdi na procura da firma Martins & Rebelo.
Se antes temos sabido um do outro, pelo menos podíamos ter feito o percurso de companhia.
Também ia para os lados de Castelo Branco.
E em Sousel fomos mais felizes na boleia, porque um pesado que ia para Alcains nos levou a ambos, no meu caso até à estação da CP, onde apanhei o comboio até ao Fundão.
Como se percebe pelo título, a distância entre Estremoz e Sousel é de 17 Km.
O perna de pau
Porque também se passou no trajecto Estremoz-Sousel, ocorreu-me aquele episódio da família alentejana com 9 filhos, que esperava o autocarro.
Vou deixá-lo aqui escrito, para não ser só tropa como assunto.
Para além dos 9 filhos, todos relativamente pequenos, estavam pai, mãe e um outro sujeito com uma perna de pau, isto é, uma antiga prótese em madeira, do joelho para baixo, a qual tinha na extremidade uma anilha metálica, para evitar o desgaste.
Chegado o autocarro, o cobrador deixa entrar primeiro as crianças e, quando a última se instala, diz:
- alto, não entra mais ninguém, porque já só há um lugar e sei que está no caminho a GNR. Só pode ir a mãe ou o pai com as crianças.
A opção foi ir a mãe.
Ao pai e ao perna-de-pau não sobrou alternativa que não fosse ir a pé.
Fazia calor e um deles até colocou dentro do chapéu o seu lenço tabaqueiro, para absorver a transpiração, como fazem os ceifeiros.
E caminharam durante algum tempo, em silêncio, apenas se ouvindo o bater da perna de pau no chão, cuja anilha metálica ia tornando o barulho insuportável, à medida que se alongava a distância percorrida.
Às tantas o pai das crianças, já saturado com o barulho da anilha, vira-se para o companheiro de viagem e diz:
- eh compadre, já não aguento a dor de cabeça que essa porra me provoca … se vossemecê tivesse metido uma borrachinha aí na ponta da perna de pau, nada disto acontecia !
- fale calado, compadre, fale calado…-  respondeu o outro.
- mas como posso falar, se estiver calado, compadre ? - ainda argumentou o pai das crianças.
- então não fale, compadre, não fale, porque se vossemecê tivesse metido uma borrachinha na porra da gaita, há uns anitos atrás, a esta hora não ia eu, aqui, a pé… !
Requisitado pelo capitão Oliveira
Concluída a especialidade e como pertencia à 4ª. Bateria, do Grupo de Instrução, fiquei por ali como adjunto do 1º. Sargento, responsável pela mesma.
Em dado momento, o Conselho Administrativo ou a secretaria geral da unidade, já não posso precisar, andou a perguntar por quem soubesse trabalhar com stencil, que era a forma como se editavam as ordens de serviço.
Mas com o stencil também se faziam ilustrações e desenhos, que era o que estava a ser necessário fazer naquele momento.
Eu terei dito na 4ª. Bateria que já trabalhara com stencil, embora há muito tempo que não o fazia.
Alguém fez chegar ao conhecimento da secretaria aquilo que eu tinha dito, vindo a ser chamado pelo oficial responsável.
Fui então requisitado à 4ª. Bateria, para ir para a secretaria da unidade.
Mas por pouco tempo.
O capitão Oliveira reagiu de imediato e com o argumento “se ele é bom para a secretaria, também é bom para mim…” fez-me regressar à 4ª. Bateria, para ir trabalhar para o seu gabinete.
E foi ali que encontrei outros camaradas, um de cada especialidade, recordando o nome de um deles, o Ernesto Almeida, que jogava futebol no Estrela de Vendas Novas.
Destinados aos serviços auxiliares
Num período bastante curto, entre o final do meu curso e a ida para o gabinete do capitão Oliveira, tomei conta de um pelotão de militares que haviam sido destinados aos serviços auxiliares.
Eram homens aproveitados para tarefas menos exigentes, por não reunirem as condições físicas necessárias para a execução das tarefas destinadas aos que eram apurados para todo o serviço militar.
Mas em tempo de guerra não se desperdiçavam meios, fossem materiais ou humanos.
Não fiquei a saber qual era o percurso que seguiam até serem colocados nesses chamados serviços auxiliares, mas sei que durante uns dias fui incumbido de os ter ocupados… mas sem grandes exigências físicas.
Ia com eles até ao campo, ao som do:
- Um, dois, esquerdo, direito…
- Um, dois, esquerdo, direito…
Levava um livrinho sobre educação cívica e disciplina militar, fazia uma prelecção sobre o assunto e, ao fim dumas horas, regressávamos ao quartel.
Era um pelotão em que havia das mais díspares estruturas físicas:
- Altos, baixos, magros, gordos e até um coxo, com uma perna mais curta que a outra.
O fardamento também não era exigente, pois um andava em chinelos, por não suportar outro calçado.
O que se podia chamar de uma caricatura de militares.
Não foi por acaso que algumas vezes lhes ouvi chamar de “pelotão dos inválidos”.
Aquele gajo é cá um militarista !!!
Num tempo em que possuir automóvel era um luxo só acessível a alguns, principalmente quando ainda na dependência dos pais, como acontecia comigo e muitos outros camaradas, apareciam exemplos que demonstravam que em tudo há sempre excepções que apenas vêm confirmar a regra.
Quando já me encontrava colocado na 4ª.Bateria, do C.I., foi dado início a um novo curso.
Por essa altura começámos a ver estacionado nas proximidades do quartel ou a circular por ali, um daqueles automóveis que desperta as atenções mesmo nos tempos actuais:- nada menos que um descapotável de dois lugares da marca Maserati.
A curiosidade levou-me a perguntar quem era o felizardo que tinha uma máquina daquelas, sendo informado que era de um instruendo de apelido Figueiredo, ligado aos donos do Casino Estoril ou das famílias ricas daquela zona.
Mas aquela era apenas uma das máquinas que despertava a atenção.
Porque logo depois, tal instruendo surgia com um Porsche, para de seguida surgir com um Mercedes-Benz.
E não sei que mais.
E depressa ele se tornou numa figura muito conhecida, não só pelos carros que apresentava, mas pelas suas extravagâncias de homem endinheirado.
Soava que a uns pagava para lhe engraxarem as botas, a outros para lhe limparem a arma, a outros para lhe tratarem da roupa, etc., etc.
Às tantas já se via a circular dentro das instalações do quartel com um certo à-vontade, só tolerado a oficiais.
Era o poder do dinheiro a impor a sua lei.
Na 4ª. Bateria, em que eu estava colocado, o responsável era um 1º. Sargento, que eu via condescender muito com as intromissões desse instruendo, como se aquilo fosse tudo dele.
Até que um dia, seria uma sexta-feira porque metia passaporte, eu estou sozinho nas instalações e de rompante entra porta dentro esse instruendo e dispara:
- Oh pá, dá-me aí o meu passaporte.
Aponto-lhe a rua e disse: ponha-se lá fora e peça licença para entrar.
Ele fica algo confuso, mas passou para o exterior, pedindo então licença.
Eu autorizei e ele repete:
- Dá-me lá então o meu passaporte.
E eu:
- Diga...
Mesmo repetindo eu o “diga…”, não conseguia fazê-lo entender que eu estava exigir-lhe que não me tratasse por tu, até que eu, pausadamente, lhe disse:
- Mas afinal de contas de onde é que você me conhece? Teremos andado juntos na costura… ou quê?
Só depois de pedir desculpa e pedir também o passaporte de fim-de-semana como eu exigia, é que lho entreguei.
Foi a única vez em que usei de uma atitude virada para a velhacaria para com alguém e me vali da autoridade que tinha no momento.
A verdade é que não tinha gostado da sua atitude, no início.
Soube depois que esse Figueiredo desabafou sobre mim e da minha atitude, dizendo:
- Eh pá, aquele gajo é cá um militarista !!!
Serrão… um obcecado !
Após terminar o curso,  deixámos as camaratas das instalações do Centro de Instrução e fomos para a camarata das instalações do edifício central da Escola Prática de Artilharia.
De entre os cabos milicianos que se encontravam instalados nessa camarata, estava um de apelido Serrão.
Era uma pessoa muito extrovertida, com brincadeiras que nunca tinham horas para ser feitas.
Como exemplo, o hábito de tomar banho ou cortar a barba quando todos os outros estavam a iniciar a noite para dormir, fazendo um espalhafato que deixava tudo em polvorosa.
Numa das vezes decorou a cara com a pasta dos dentes, amarrou uma fita à volta da cabeça e colocou a escova a servir de pena, como as que usam os guerreiros índios e depois saiu para a parada, imitando aqueles guerreiros no seu grito de guerra.
E tudo se passou muito depois da meia-noite.
Mas o Serrão era mesmo assim e nunca tais brincadeiras lhe foram levadas a mal.
Até porque o Serrão também se manifestava de outra forma muito obsessiva, quando dizia com aparente convicção de que se fosse mobilizado, não voltaria do ultramar.
Colaborando ou provocando a brincadeira obsessiva e mórbida do Serrão, havia companheiros que recortavam da necrologia de algum jornal o pedaço que tivesse a cruz, colocavam o nome do Serrão e afixavam-no na porta do armário dos seus haveres pessoais.
Entretanto o Serrão foi mesmo mobilizado para Angola.
Também eu fui mobilizado para Angola e o tempo da comissão de serviço chegou ao fim.
Quando já prestes a embarcar de regresso, encontrei outros companheiros que haviam estado em Vendas Novas, a quem perguntei pelo Serrão.
Com grande surpresa e pesar, dizem-me que o Serrão tinha morrido.
Ao perguntar as circunstâncias, fui informado de que o Serrão tinha levado uma comissão apavorado com o receio de que algo de mal lhe pudesse acontecer.
Nunca saía do aquartelamento, mesmo quando era nomeado para qualquer operação militar, procurando trocar o serviço ou pagando até para que outros o fizessem por si.
Até que um dia, estando a tomar conta do bar, porque havia trocado o serviço com o habitual encarregado desse serviço, faltou a cerveja.
Havia uma unidade perto do seu aquartelamento e pediram então para que eles lhes cedessem cerveja.
E o Serrão lá foi buscá-la, porque era ele, naquele momento, o encarregado do bar.
Pois foi nesse pequeno trajecto que o destino se consumou.
Uma mina explode debaixo da viatura, ceifando a vida ao Serrão.
As aptidões profissionais
Das aptidões profissionais declaradas e que ficaram a constar dos meus registos militares, estava a de dactilógrafo.
Não surpreendeu por isso que, quando se tornou necessário um escrivão para fazer parte de um auto de averiguações, eu tenha sido nomeado.
O próprio capitão Oliveira era o instrutor do processo, que resultou de um acidente com a explosão de uma granada logo à saída do tubo de um obus, que vitimou um instruendo que fazia parte da guarnição da peça.
Fui logo prevenido de que ficava sujeito ao segredo de justiça, o que não era novidade para mim, face à experiência que tivera de quando trabalhei no gabinete de um advogado.
Julgo ter desempenhado correctamente as funções de que me incumbiram, que apesar do caracter obrigatório em que estavam envolvidas, sempre tiveram um “muito bem…”, que me soube a gratidão, quando a instrução do processo foi dada por terminada.
Percebes de composição tipográfica ?
Um dia o Capitão Oliveira procurou saber se alguém percebia de composição tipográfica.
Eu nunca tinha sido tipógrafo, mas já tinha lidado com carimbos de composição manual dos nomes, em que se utiliza o mesmo princípio.
Respondi, então, que tinha a noção de como se fazia.
Disse-me depois que a intenção era fazer sobre um nastro com cerca de 2 cm de largura o apelido de cada um dos instrutores, para estes coserem na lapela da farda de trabalho e servir de identificação.
Mostrou a seguir um estojo com tudo o que era necessário para a composição dos nomes.
Fiz diversas experiências de composição e tudo estava a resultar bem, mas a tinta que utilizava não surtia o efeito desejado.
Até que pedi para me trazerem um pouco de óleo queimado, do que se retira do motor das viaturas, verificando depois que o mesmo era aquilo que se pretendia.
A partir daí, foi utilizar a técnica com todos os nomes necessários.
Descobri agora, no caixote das minhas recordações, alguns desses nastros com nomes que ficaram das primeiras experiências.
Para além do meu, ainda estão o do Amaral, o do Inácio e o do Ribeiro.
As provas de aptidão
Com melhores ou piores resultados, levei a cabo todas as provas de aptidão física a que me submeteram.
Já lá vai muito tempo, mas ainda retenho na mente a transposição do muro e da vala, o salto em extensão, a corrida, os abdominais, o pórtico e o galho.
O pórtico não foi fácil para mim, porque tinha alguns problemas com as vertigens.
E caminhar em passo acelerado em cima de uma estrutura em cimento armado, a 6 metros de altura, não era lá muito fácil.
Mas de tanto teimar, acabei por ultrapassar esse problema e executei a prova com relativa facilidade.
O galho levantava sempre alguns problemas, devido ao facto de termos por baixo o vazio e não haver a certeza de alcançarmos o mesmo, em segurança.
Isso levava a uma certa retracção no salto e o abraço forçado ao poste, por onde se escorregava, quando o galho se escapava das mãos.
Sobrava então a dor no baixo-ventre, porque era quase inevitável o embate nessa zona.
Sirvo-me destas imagens, uma delas tornada pública por SPM8146.blogspot.com, para mostrar como eram esses equipamentos.
Podia ter sido uma tragédia
Não sei se ainda estaria no gabinete do capitão Oliveira.
Não sei se estaria já a aguardar transferência para o RAL2, em Coimbra, onde fui colocado, enquanto não fosse para o Entroncamento, a formar pelotão e embarcar para Angola.
Sei, sim, que este episódio aconteceu.
E sabe Deus o susto que apanhei.
Num determinado dia, fui prevenido de que viria uma embaixada de Oficiais-Generais visitar a Escola Prática de Artilharia e que seria feita uma demonstração de tiro, por parte de uma secção comandada por mim e supervisionada por um oficial.
Todos os militares das outras especialidades, necessários às operações de tiro, se posicionaram no terreno, bem lá na frente
A nossa secção foi também levada para o terreno e tomou posição, aquém de Vendas Novas, enquanto as suas movimentações eram observadas pelo grupo de Oficiais-Generais.
Foram-nos então fornecidos os dados que o apontador havia de introduzir nos instrumentos de pontaria, tendo em conta o objectivo a alcançar, sendo eu a fazer a última observação, confirmar que tudo estava em ordem e informar disso o oficial, que daria a ordem de tiro.
Feito o primeiro disparo, que saiu perfeito, mandam preparar para novo disparo.
O apontador repete todas as operações, fazendo eu as verificações necessárias com vista a eventual correcção no funcionamento dos instrumentos, que pudesse ter-se modificado devido ao salto da peça, no momento do disparo.
E é dada ordem para o segundo tiro.
Logo após o disparo, soa o alarme, porque desta vez o projectil havia caído atrás da linha em que se posicionavam os militares que observavam a queda do fogo.
Havia que corrigir o alcance do tiro.
Feita a correcção dos instrumentos de pontaria, com todas as observações que se impunham, é feito o terceiro disparo.
E desta vez o alarme é geral, com ordem de suspensão imediata de todas as operações no terreno.
Tinha acontecido que o terceiro tiro quase havia caído dentro da povoação de Vendas Novas.
Procurando encontrar uma explicação para a ocorrência, acabamos por dar-nos conta de uma insólita anormalidade, da qual não se apercebeu nenhum dos que observaram os instrumentos de pontaria: o apontador, eu e o oficial.
Não retenho já todos os pormenores sobre os instrumentos de pontaria, mas recordo que sobre o prato de alcances havia um braço no qual se deslocava uma corrediça, que ao ser fixada nesse braço com um parafuso e posicionada em determinado sulco do prato, determinava a maior ou menor elevação do tubo do obus, com a consequente modificação do seu alcance.
Pois aconteceu que essa corrediça não foi fixada como devia, deslocando-se no braço quando a peça dava o salto com o disparo.
É verdade que, tanto o apontador, como eu, tínhamos a preocupação de a ver posicionada no sítio correcto do prato de alcances, mas ao agirmos no sentido de a repor ali, não reparando que se deslocara no braço por se encontrar desapertada, estávamos a fazer com que o tubo do obus reduzisse a sua elevação.
Consequentemente, reduzia-se o alcance dos tiros.
O que aconteceu com esta insólita anormalidade, já foi contado.
Apesar da gravidade da ocorrência, não aconteceu qualquer dano irreparável, o que evitou a abertura de processos de investigação ou disciplinares, para apuramento de responsabilidades.
Mas podia ter sido uma tragédia.
Felizmente não aconteceu.
Ficou apenas o susto.
Lembrei-me dos outros… esqueci de mim próprio !
Na instrução militar a acção psicológica nunca é descurada.
Recordo que a nossa especialidade teve, nesse domínio, uma componente muito importante. Umas vezes foi exercida de forma bastante velada, mas outras, de forma bastante intensa.
Já depois de concluída a especialidade e enquanto adjunto do Capitão Oliveira, estive sujeito ao segredo militar, que ele próprio não esquecia de vincar e de lembrar, pelas consequências disciplinares que daí poderiam advir, se o segredo fosse quebrado.
De qualquer modo, nunca por mim foi posto em causa.
Aliás, enquanto estive no gabinete e no decurso de outros CSM / COM, era eu que tinha a responsabilidade de calcular as médias, face aos testes dos instruendos, elaborar as pautas classificativas e torna-las públicas.
Sei bem as tentativas que foram feitas, no sentido de saberem de mim as classificações de um ou outro instruendo. Mas sempre sem resultado.
Dizia-lhes:- classificações, só no final.
Um dia, um oficial do C.I. fez-me uma pergunta do género a respeito de certo instruendo, com resposta negativa da minha parte.
Então insistiu:- mas o gajo chumba ?
Dissimuladamente, abanei a cabeça para um lado e para o outro e voltei-lhe as costas.
Ainda ouvi o seu comentário:- já ganhei um presunto !
Mas sobre a acção psicológica, recordo que na programação de um dia de instrução com essa forte componente, foram dadas ordens aos instrutores (comandantes e monitores) para que o dia de trabalho fosse prolongado por mais duas horas, sem qualquer explicação.
Haveria perguntas, que não teriam respostas e todos ficariam no campo até às 20,00 horas, passando sobre as 18,00, em que era habitual terminar.
Sem explicações para não quebrar o segredo, aconselhei dois ou três camaradas instrutores, mais amigos, para que metessem uma sandes no bolso.
- Isso não é preciso… nunca foi preciso… - respondeu um deles.
O outro terá seguido o conselho.
Contudo, eu também não o fiz, embora sabendo o que ia acontecer.
Como estava no gabinete, juntamente com os outros três camaradas, pensei que estava a salvo daquela acção psicológica.
Puro engano.
As 18,00 horas passaram, as 19,00 também e só às 20,00 fomos autorizados a sair.
De barriga vazia.
Assim era exercida a acção psicológica.
O meu caderno
Acompanhou-me durante o 2º. Turno do C.S.M. 1966.
O curso da minha especialidade - Campanha.
Nele, fiz muitos registos e desenhos.
Uma característica que nunca me abandonou e que tem sido muito proveitosa ao longo da minha vida.
Guardei-o, como recordação.
Agora ajudou-me a reconstituir muitos dos episódios que aqui deixo relatados.
Um companheiro de então, o Zé Manel Henriques, recordou-me há pouco tempo que algumas vezes lhe teria dado ajuda para fazer os testes, socorrendo-me do caderno.
Já não me lembrava.
Mas é possível que o caderno tenha feito a diferença.
A festa de despedida
O final de curso COM / CSM – 2º. Turno de 1966, teve direito a festa.
Do programa constava:
10H40 – FORMATURA GERAL DA BATERIA
11H00 – MISSA CAMPAL
12H00 – DESFILE DA BATERIA
14H30 – ALMOÇO DE CONFRATERNIZAÇÃO DA 4ª.B.I.
15H00 – DISTRIBUIÇÃO DE PRÉMIOS
15H30 – ACTO DE VARIEDADES

Foi um dia diferente de todos os outros passados na Escola Prática de Artilharia.
Mas no meu caso, este dia teve um significado muito especial, porque no momento da distribuição de prémios fui chamado para receber o prémio que me identificava como o 1º. classificado do curso.
É verdade que se tratou apenas de uma pequena placa, como a imagem documenta.
Pequena mas, para mim, com um grande simbolismo.
E o simbolismo, é que verdadeiramente conta.
Afinal, há apenas um 1º. classificado, nessa especialidade do curso.
E esse 1º. classificado fui eu.
Um gesto surpreendente
Já deixei escrito que no gabinete do capitão Oliveira estávamos quatro adjuntos, um por cada especialidade que era ministrada nos CSM/COM, já com a especialidade concluída no 2º. Turno de 1966.
Ali ficámos por sua requisição.
No decurso de outros cursos que entretanto foram iniciados, cada qual tinha a sua tarefa que, no meu caso e apesar de ser de Campanha, tinha a responsabilidade de calcular as médias, face aos testes dos instruendos, elaborar as pautas classificativas e torna-las públicas.
Já o tinha deixado escrito.
Acontecia também que, ao chegar ao fim qualquer curso, tínhamos de participar na semana de campo, acompanhando o nosso comandante.
Dado que estávamos fora do quartel, durante essa semana, éramos então dispensados  da obrigação dos serviços de sargento-dia, ou qualquer outro que nos competisse, na unidade.
Para tal, era elaborada previamente uma relação do pessoal que havia de ser dispensado, para ir para a semana de campo, sendo presente ao Comandante da Escola Prática de Artilharia, para a assinar.
Assim aconteceu connosco.
Entretanto, eu sou confrontado com o convite do meu irmão para que fosse padrinho do meu sobrinho, acontecendo a cerimónia precisamente na semana em que iria decorrer a semana de campo.
Coloco a questão ao capitão Oliveira, pedindo se me dispensava da semana de campo, para poder ir a casa, para esse efeito.
Disse imediatamente que sim, mandou-me preencher o passaporte e deu ordem ao Ernesto para que o levasse ao Comandante da unidade para o assinar.
Pouco tempo depois o Ernesto regressa com o passaporte por assinar e com o recado de que eu tinha sido dispensado dos serviços para ir para a semana de campo, sendo assim iria ser retirado da relação dos dispensados e na unidade teria de cumprir os serviços.
Argumentei com o capitão, dizendo que dessa forma iria fazer serviço dia-sim-dia-não, visto que tinha saído tanto pessoal para a semana de campo, que não havia ninguém disponível para me substituir.
Não adiantava, pois, conceder-me licença para ir a casa.
De rompante vira-se para o Ernesto e diz-lhe:
- Leva de novo o passaporte ao nosso Comandante. Eu já falo com ele.
Pega então no telefone e quando o Comandante atendeu diz-lhe, num tom que parecia o de um superior para um inferior:
- Meu Comandante, mandei de novo o passaporte, o senhor faz o favor de o assinar.
Não ouvi o que respondeu o Comandante, mas ouvi o que lhe disse:
- Este é um caso especial. O senhor faz o favor de assinar o passaporte e manter a relação das dispensas de serviço que assinou para a semana de campo.
Certo é que, pouco depois, chegou o Ernesto com o passaporte assinado, que permitia ausentar-me por uma semana, mantendo-me dispensado dos serviços, como se também estivesse na semana de campo.
Gozei então uma semana de licença no Fundão.
Ao fim dessa semana regressei a Vendas Novas, chegando quando os outros regressavam da semana de campo.
Como era da praxe, seguiu-se uma semana de licença para todos eles.
Uma vez que eu acabara de chegar de casa, dirijo-me ao gabinete com a intenção de saber do capitão Oliveira, o que eu iria fazer nessa semana.
Ao ver-me pergunta:
- Então, já meteste o passaporte ?
- Mas eu acabei de chegar de casa, meu capitão – respondi-lhe.
- Mete o passaporte, rapaz, não vais ficar aqui sozinho – respondeu-me, sorrindo.
Espontaneamente fiz a continência, dizendo:
- Obrigado, meu capitão.
E fui para mais uma semana de licença.
O homem que tanto temor inspirava, tinha afinal destes gestos surpreendentes.
Tal como a moeda, o Homem também tem duas faces.
Faz sentido a frase:  “Os melhores serão premiados " ?
Face à minha classificação no curso – o 1º. Lugar – alguém me havia convencido, porque era voz corrente ou porque já teria acontecido, de que não seria mobilizado.
Para ajudar ao meu convencimento de que não seria mesmo mobilizado, o tempo que foi decorrendo sem que houvesse qualquer ordem nesse sentido.
Mas estava escrito que havia de ir conhecer África, no caso concreto a ex-província ultramarina de Angola.
 Porque a nota de mobilização, que me foi dada a ler, acabou por chegar e dizia mais ou menos isto:- “é mobilizado o soldado C.S.M. Álvaro Roxo Vaz e outros 8 a nomear oportunamente…”.
Afinal, a classificação que obtive no curso acabou por ser penalizadora para mim, retardando a minha mobilização e consequente embarque para Angola, que veio a acontecer em 11.10.1967.
Tinham decorrido, pois, quase 17 meses desde que fora incorporado no exército.
A frustração não podia ser maior, até por me sentir atingido pelo escárnio de uma mobilização, cuja nota dizia que era eu e… “8 a nomear oportunamente”.
Daí ter colocado a mim próprio, muitas vezes, a interrogação:- se havia “8 a nomear oportunamente”, para além de mim, porque não nomear os 9 que haviam de ser nomeados nessa oportunidade, deixando-me fora do grupo ?
Afinal, neste caso, não fez qualquer sentido a frase: “os melhores serão premiados”.
No RAL2-Coimbra, a aguardar embarque
Todos os militares que concluem as suas especialidades são, depois, colocados numa qualquer outra unidade.
E conta, quanto à escolha da unidade, a classificação obtida no curso.
Eu havia pedido para ser colocado no RAL2, em Coimbra, sendo atendido no pedido… mas, pelo meio, surgiu um capitão Oliveira que me estragou os planos.
De qualquer modo, fui parar a Coimbra, quando já estava mobilizado.
Tinha um quarto do qual se via um panorama extraordinário, no Convento de Santa Clara, pois era ali que o RAL2 estava instalado.
Por altura da minha chegada, estavam marcados os campeonatos militares de natação.
Houve então uma sondagem junto de todo o pessoal , sobre quem sabia nadar.
Eu respondi, juntamente com alguns outros, positivamente.
Forma-se uma equipa e todos os dias de manhã uma viatura nos levava até à piscina da Associação Académica.
Foi um tempo muito interessante, porque até nos dispensaram de todos os outros serviços.
E chegou o dia das provas, que se realizaram em Tomar.
Muita espectativa e, nas eliminatórias, consegui ultrapassar os meus adversários, ficando para a final como o único representante do RAL2.
Nadava na modalidade de 100 m. bruços.
No dia das finais, dou de caras com um outro fundanense, o já falecido Álvaro Leitão.
Que também ia nadar nos 100 m. bruços.
O resultado ?
Foi vencedor o Álvaro Leitão.
Só mais uns pormenores da minha estadia em Coimbra.
Durante uns tempos ainda fiz serviços, cabendo-me fazer de sargento-dia e participar nas equipas de ronda à cidade.
Quando de sargento-dia, à noite, ia verificar se os militares colocados a fazer reforços, se encontravam no seu lugar.
Ora, um desses lugares era nas velhas instalações do Convento de Coimbra, um lúgubre espaço onde pernoitavam corujas e onde havia mesas de pedra com um cavado do feitio do corpo humano, que teriam servido para fazer autópsias, segundo se dizia.
Claro que as lendas não faltavam, também se dizendo que em tempos dali desapareceram soldados e a espingarda deles apareceu toda retorcida.
O cenário era, de facto, ideal para histórias desse tipo.
Quando por lá passei a primeira vez, é verdade que fui avançando com alguma falta de confiança, acabando por me assustar, sim, porque uma coruja esvoaçou junto à minha cabeça.
Mas nada mais que isso.
Quanto às rondas na cidade, havia uma trajectória que me foi logo dado a saber pelos “velhinhos” do RAL2.
Ir até à Rua Direita, na baixa de Coimbra, e, no reservado de um velho bar ali existente, deixar que o tempo passasse entre dois dedos de conversa com as simpáticas funcionárias.
Assim aconteceu algumas vezes, bastando que a equipa estivesse sempre alerta em relação à Polícia Militar, que também por lá circulava.
Afinal eu estava ali de passagem para Angola... não tinha de me chatear muito.
E acabou por ser uma boa experiência, até que chegou o dia de ir até ao Entroncamento, formar pelotão e embarcar para Angola.
Essa história também já foi contada no livro “Pelotão de Apoio Directo 1245 – no palco da guerra”.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Memórias de um recruta... (1)

Quem viveu a experiência da ida à tropa, tem sempre umas histórias para contar.
E, normalmente, até sente prazer em contá-las aos outros.
Agora se os outros estão dispostos a ouvi-las, ou a lê-las, a história já é outra... !
Tudo depende da forma como se contam de viva voz ou se relatam por escrito.
Irei usar, como já fiz noutras circunstâncias, a auto-publicação para as converter em livro. Sem pretensões de natureza literária, porque tendo elas um cunho muito pessoal, só ao próprio interessa reviver as memórias, mesmo que passadas há quase meio século.
Para já, ficam a constar do blog, que irei actualizando e inserindo imagens. Para ver o efeito. Depois, serão adaptadas e desenvolvidas no livro. 
Apuramento para o serviço militar - momento marcante da nossa vida
Foi em tempo de guerra nas antigas colónias que me vi apurado para o serviço militar obrigatório. Estávamos a 29 de Junho de 1964.
E o veredicto a que estava sujeito cada um dos mancebos, face à inspecção militar, gerava sempre as mais contraditórias reacções.
Se num primeiro momento os apurados exibiam a sua superioridade perante os que não tinham aptidões físicas para também ser apurados, logo a seguir se recolhiam na angústia, pensando no tempo em que seriam furtados às famílias,  às namoradas, às profissões, aos estudos, aos amigos e aos locais onde a sua vida se desenrolava.
Apesar de apurado para todo o serviço militar, a verdade é que na ocasião eu não passava de um peso-pluma: 44 kg em pêlo.
E nem fui o mais levezinho que se exibiu perante os fulanos da tropa, naquele salão dos antigos Bombeiros Voluntários do Fundão.
Mas o dia da inspecção militar tinha, na altura, a sua rotina de acontecimento festivo, que nos aliviava das preocupações que haveriam de regressar ao espírito, noutros momentos posteriores.
Arruada com grupos de acordeonistas, almoços em grupo, visita às "capelas" da vila, entendidas estas como as muitas tascas que então existiam e, ao final da tarde, os bailes pomovidos pela "malta da inspecção".
Quando o grupo era numeroso, como foi o caso, num segundo dia tudo se repetiu na parte dessa rotina festiva.
Seguiu-se depois o tempo de espera até ser incorporado. O que aconteceu de 29 de Junho de 1964 até 16 de Maio de 1966. Muito tempo de espera, para mim.
Demasiado tempo, até dar entrada na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, para cumprir a recruta.
O Comandante da Escola
Nessa altura a Escola Prática de Cavalaria era comandada por Vasco C. Ataíde Cordeiro, que exerceu o seu mandato de 1965 a 1967.
A capicua
Logo que o Exército Português “tomou conta de mim”, atribuiu-me um número de matrícula.
Esse número é também designado de número mecanográfico e, no activo ou na reserva, por ele todos os militares passam a ser identificados.
O número de matrícula que o Exército Português me atribuiu foi o 5661665.
Tudo normal, não fora a curiosidade de esse meu número tanto poder ser lido da esquerda para a direita, como da direita para a esquerda.
A chamada capicua.
Curiosamente, era o segundo número com essas características que se associava a mim, pois a minha carta de condução era e é também uma capicua - 61816.
Ora, “… o vocábulo capicua, que na língua catalã (cap+i+cua) tem o significado aproximado de cabeça e cauda, passou a ser usada pelos naturais da região, sempre que deparavam com um número desses, considerado por eles como indicativo de boa sorte principalmente quando se referia a datas (sem pontos ou traços).”
Portanto, um tipo de número com um significado especial. Indicativo de boa sorte.
Verdade ou não, só quem acredita o pode dizer.
Para mim, foi um número que me trouxe a experiência da vida militar que, vista numa perspectiva disciplinadora e de cumprimento de regras, proporcionou ensinamentos sempre úteis para a vida.
Assim saibamos aproveitá-los.
O grupo do Fundão
O Fundão ficou bem representado, na sua entrada na Escola Prática de Cavalaria, porque além de mim próprio, assentaram praça, Carlos Freire e Fernando Agapito, juntando-se depois ao que passou a ser chamado grupo do Fundão, o Robalo, de Aranhas, mas com ligações familiares ao Fundão.
E o nosso grupo haveria de tornar-se bastante conhecido, desde logo porque o Carlos Freire se impôs pelas suas aptidões musicais e pela viola que nunca deixava de o acompanhar. De tal modo, que rapidamente passou a integrar um conjunto musical de Santarém.
Mas outros episódios aconteceram, que nos colocaram perante alguma evidência.
Todo o grupo foi beneficiando dos dotes musicais do Freire mas, no meu caso, até aproveitei bastante a sua integração no conjunto musical de que passou a fazer parte, porque o fui acompanhando frequentemente nas muitas animações de bailes e festas em que o seu conjunto participava, nem que fosse apenas para ajudar a transportar os instrumentos.
O Gato Félix
O grupo de fundanenses foi integrado no 2º. pelotão, comandado por um alferes de nome José Maria Félix de Morais, que nas suas costas identificávamos por "Gato Félix", sendo monitores no mesmo pelotão dois fundanenses nossos conhecidos, o Ramos da Quinta da Caneca e o Raposo do Fundão.
Ora, o Ramos e o Raposo estavam sempre a espicaçar-nos para darmos "o passo em frente", quando o pelotão era desafiado para exercícios mais arriscados.
Isso aconteceu muitas vezes e foi assim que, nos exercícios finais da recruta, fui eu e o Freire a fazermos o "slide" pendurados nas pernas do Domingues (então guarda-redes do Beira Mar e mais tarde treinador do Sporting da Covilhã), num exercício em que um camarada já tinha partido uma das pernas, nos treinos.
Connosco tudo correu bem, felizmente, mesmo quando em plena descida do cabo de aço, nos vemos de caras encostadas, a descer de lado, quando a intenção era descermos em bandeira, ou seja, eu pendurado com a mão direita, a abrir o braço esquerdo e o Freire pendurado com a mão esquerda, a abrir o braço direito. Valeu um empurrão que dei no ombro do Freire, que permitiu endireitar-nos e ficarmos de frente para a descida, podendo largar a roldana em corrida, ao sentirmos o chão debaixo dos pés.
Mas o tempo de recruta no destacamento da Escola Prática de Cavalaria foi pródigo em episódios dignos de registo.
A vida no destacamento
É verdade que a nossa entrada se verificou no edifício principal da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, mas foi no seu destacamento, também na cidade, que a recruta decorreu, durante aqueles 3 quentes meses ribatejanos, de 1966.
As instalações eram bastante antigas, sendo também bastante usados os equipamentos de natureza pessoal e de acomodação, que nos foram distribuídos.
O já referido oficial que nos comandou na recruta era oriundo da Academia militar, tinha ares de menina-amélia e, na perspectiva de quem chega a uma unidadade militar para receber a instrução que nos iria permitir enfrentar o desafio de uma guerra nas antigas colónias, pareciam-nos sempre exagerados os métodos por si aplicados, tendentes ao aperfeiçoamento das diversas práticas militares.
Mas as coisas até deveriam ser mesmo assim, por muito que nos aborrecesse o desfilar entre aquartelamento e áreas de treino no campo, ao ritmo de constante marcar-de-passo com garbo e "cagança", que pareciam ser apenas uma exigência desse nosso comandante de pelotão, o tal menina-amélia que chamávamos de "Gato Félix".
Os chamados "trabalhos de estrada", que mais não eram do que corridas com a pesada espingarda Mauser ao ombro durante longos quilómetros, também se repetiam de amiúde, fazendo desses exercícios esgotantes provas de esforço físico.
E foi no desenrolar de um desses trabalhos-de-estrada que aconteceu o episódio que havia de marcar a nossa permanência no destacamento da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém.
A vacinação em série
Num determinado dia da nossa recruta, recebemos ordem para nos apresentarmos no posto médico. Todos em tronco nu. Seria para receber a vacina, com uma injecção que já nos haviam dito "ser uma dose de cavalo".
Ali chegados, fomos dispostos em grupos não muito numerosos, sempre em fila ou "bicha de pirilau", como acontecia em quase todos os momentos da nossa passagem pelo serviço militar.
Quando chegaram os elementos da enfermaria, um deles começou por limpar a zona da omoplata com um algodão embebido em álcool.
Logo a seguir veio outro e espetou a agulha de uma seringa, que ali ficou cravada um longo tempo, ou pelo menos assim nos pareceu.
Com pelo menos um desmaio pelo meio, por parte de um antigo companheiro mais sensível a injecções ou já sugestionado pelo termo "dose de cavalo", chegaram finalmente os que introduziam o líquido através da seringa.
Finalmente, veio outro a recolher a agulha.
O processo foi algo doloroso e teve alguns efeitos febris nas horas que se seguiram.
Foi-se repetindo, então, o alinhamento dos grupos, até que se cumpriu todo o processo da vacinação em série.
Mas tudo passou, ficando registada mais esta experiência.
O problema das alturas
Num pelotão como aquele em que fomos integrados, havia alguma disparidade entre as nossas alturas, até pelo facto de quase toda a gente ser apurada para o serviço militar, porque a guerra colonial assim o "exigia".
O procedimento habitual nestas circunstâncias era, pois, alinhar por alturas.
Não sendo eu muito alto, havia ainda alguns mais baixos que eu, entre eles um alentejano de apelido Balhé.
Quando em formatura ou em desfile, o Balhé posicionava-se a meu lado ou à minha frente, o mesmo acontecendo quando havia manuseamento de espingarda.
Se era o momento de iniciar uma marcha, com manuseamento da arma, a mesma era projectada para o ombro direito e, com um batimento forte do pé direito, dava-se início à marcha.
Foi num destes exercícios, em que o Balhé se posicionava na minha frente, que a marcha se iniciou com a projecção da pesada espingarda Mauser para o seu ombro direito.
Só que em vez de encontrar o ombro, o ponto de mira do cano da espingarda do Balhé encontrou a minha cabeça, fazendo-me um profundo lanho na testa, que sangrava abundantemente.
Lá fui levado de urgência à enfermaria, para o necessário tratamento, que depois até serviu de pretexto para prolongar a "baixa", furtando-me a parte dos exercícios desse dia.
O tique do Paquito
O Paquito (não fiquei a saber porque era assim chamado), foi daquelas figuras que não passam despercebidas, estejam onde estiverem.
Primeiro, porque estava sempre com chalaças e brincadeiras.
Depois, porque tinha um tique que o fazia notado.
Era um repentino abanar de cabeça, com projecção do queixo para a frente.
E por mais que o quisesse controlar, não conseguia, porque dizia ser hereditário.
Isso veio a ser confirmado quando um dia deixou que fosse hipnotizado pelo nosso camarada que dominava essa técnica, para tentar curá-lo se o tique tivesse resultado de qualquer doença ou acidente, ocorrido ao longo da sua vida.
De facto, aquilo fazia parte da sua génese e nada havia a fazer.
Ora, aos militares é exigido que devem ficar imobilizados quando seja dada ordem de “sentido”… nem que passe um “c…crocodilo pela boca”.
Mas com o Paquito isso não era possível, o que levantou problemas com o instrutor, que no princípio não se cansava de lhe gritar:
- fica quieto… fica quieto… está em sentido !
Ele explicou e tornou a explicar, até que se convenceram que ele era mesmo assim.
Entretanto, o Paquito cortava a barba com uma navalha, tal como eu fazia na altura.
E o surpreendente é que o Paquito nunca se tinha cortado, apesar daqueles repentinos movimentos de queixo e de cabeça.
A lição de judo
Num dos dias de instrução, foram abordadas as técnicas do judo.
Houve exemplificação dos golpes e da forma como podemos contrariá-los, incluindo a forma de cair sem consequências, face às projecções que nos são aplicadas pelo adversário.
Recordo que um dos pormenores quanto à forma de nos defendermos no lançamento ao solo, que nos foi ensinado, é a palmada no chão a anteceder a queda do corpo.
A mesma tem o efeito de esbater ou anular a dor que seria sentida no corpo, transferindo-a para a palma da mão. Pelo menos eu entendi assim as coisas.
Nesse mesmo dia, tal como aconteceu em muitos outros, houve uma pausa a anteceder a formatura do jantar, que deu aso a que se falasse da instrução sobre o judo.
Na parada estavam outros pelotões e, com os que estavam mais próximos, naturalmente que havia uma maior familiaridade com os seus elementos.
Daí resultou que também se tivesse envolvido na conversa do judo, um dos elementos de apelido Carneiro, que me lembro ser de São Romão do Coronado.
Na brincadeira disse-lhe algo parecido com isto:
- Xô, daqui para fora, que a conversa ainda não chegou ao galinheiro…
Foi num ápice que me vi projectado de costado no chão, num golpe de judo feito por um praticante de longa data, atributo que eu desconhecia no Carneiro.
Defendi-me na perfeição com a técnica da palmada no solo, sem qualquer mazela no corpo, mas ficando com a palma da mão inchada, tal foi a violência do batimento.
Importa dizer que foi por mero acaso que eu fiz o batimento com a mão, porque tudo se passou com tal rapidez, que não houve tempo para pensar em técnicas.
Ainda para mais, apenas abordadas naquele dia.
O Mundial de 1966
Todos se recordam que em 1966 se realizou o Mundial de Futebol, em que esteve em evidência o nosso futebolista Eusébio, pela famosa recuperação do resultado de 0-3 para 5-3 contra a Coreia do Norte.
Ora acontecia que a única possibilidade que tínhamos para ver os jogos de futebol do Mundial, era sair do destacamento, onde só havia televisão no bar dos oficiais, e assistir aos mesmos nalgum café da cidade.
Em todo o tempo que decorreu a nossa recruta, muitos fins-de-semana foram passados em Santarém, pois não havia possibilidade para vir até ao Fundão, apesar do grande desejo de estar umas horitas junto da namorada e da família.
Assim, aconteceu muitas vezes que os petiscos surgiram na caserna durante esses fins de semana, convertendo-se uma lata de atum, uns tomates, um pão e uma "bota" de vinho, num apetecível e saboroso banquete.
A "bota" do vinho
No entanto, fazer chegar o vinho até à mesa, tornava-se por vezes num problema que era preciso ultrapassar, se o momento não era o da livre circulação para os recrutas, que apenas em determinadas horas tinham a possibilidade de sair a porta-de-armas, sujeitando-se a rigorosa revista de fardamento, asseio e apresentação pessoal.
Mas tudo ficava simplificado, quando estava de serviço o alferes Bicho, de Castelo Branco, com quem o grupo do Fundão e outros da Covilhã e Castelo Branco se juntavam no comboio, de regresso dos fins-de-semana, confraternizando à volta dos farnéis que sempre eram levados, juntamente com umas garrafas de vinho. E se ele apreciava o tintol !!!
Com ele em oficial-de-dia, lá íamos pedir para deixar um de nós sair pela porta do gabinete e ir à rua encher as "botas" do vinho.
Normalmente autorizava, mas impunha uma condição, recomendando:- vai lá encher a "bota" mas primeiro passa aqui para ver se o vinho é de boa qualidade.
Claro que essa "bota" era logo esguichada pelas goelas abaixo e só depois se voltava a encher as que necessitávamos para o petisco.
O peixe bêbado
Tal como todos os do grupo, o nosso camarada Robalo era dos que estava sempre pronto para o petisco. E também para deitar a baixo uns tintos.
De tal modo que, sendo de apelido Robalo e gostar do tinto, passámos a tratá-lo de "peixe bêbado".
E ele não se aborrecia com isso.
Aliás, era dos que pregava partidas aos outros, mas aceitava com desportivismo as partidas que lhe faziam.
Mais adiante será feita referência à última noite passada em Santarém, em que aconteceu a batalha dos cabeçalhos.
Nela, o Robalo teve uma intervenção bastante activa, sempre de pé sobre a sua cama, que era um beliche superior. Dali comandava as operações e ninguém lhe escapava.
O meu beliche era o de baixo, duas camas atrás.
Em dado momento o Robalo desguarneceu a defesa da sua cama e ausentou-se por uns momentos, aproveitando eu para despejar um cantil inteiro de água, para dentro dela.
Regressei à minha cama, fingindo ressonar, e esperei que ele se deitasse.
Quando a batalha amainou e ele vai meter-se na sua, dá um salto, praguejou, e vai com o seu cantil cheio de água à procura de alguém acordado, para se vingar.
Ao passar na minha cama, olhou e comentou:- este não foi, está a dormir...
Depois de pôr a caserna de novo em alvoroço, o Robalo lá se acalmou e desistiu da vingança. Sentou-se então na cama, onde não podia deitar-se porque estava encharcada e ia dizendo:- quiseste fazer partidas? Foste lixado ! Aguenta !
Mas o Robalo foi também um exemplo de preserverança nos seus estudos, vindo a formar-se em medicina e tornar-se médico muito depois de cumprido o serviço militar.
Uma semana azarada
Aconteceu então um dos trabalhos-de-estrada, num final de tarde à sexta-feira, em que descemos a Tapada das Padeiras e no regresso nos cruzámos com algumas moças, idas dos seus trabalhos.
Houve uns incontidos piropos por parte de alguns dos elementos do pelotão, sendo na chegada ao quartel questionados sobre quem havia dirigido tais piropos. Os autores não se manifestaram, apesar da insistência por parte do comandante e da ameaça de que todos seriam penalizados com o corte de fim-de-semana, até que o Robalo, que nada tinha a perder, visto que não tinha intenção de sair do quartel nesse fim-de-semana, disse ser ele o autor dos piropos.
O comandante não se deixou convencer, pois o Robalo ia perto de si, e a ameaça concretizou-se, cortando o fim-de-semana a todos, para além de uma semana sem autorização para sair do aquartelamento.
Essa situação veio a impedir que todos vissem os jogos do Mundial 1966 realizados nessa semana, entre os quais o Portugal-Brasil.
De entre os que não foram de fim-de-semana, havia alguns recrutas do Porto que, habitualmente alugavam um autocarro, devido ao número substancial de elementos daqueles lados do norte.
E esses, sim, sentiram muito a penalização que lhes foi imposta, até por haver gente casada e com filhos, que se viram impedidos de os ir ver, mesmo com o aluguer do autocarro já pago.
Se o sentimento em relação ao comandante "Gato Félix" já não era de grande simpatia, face à sua controversa personalidade, a partir deste acontecimento passou a existir uma grande aversão, que ao próprio não passou despercebida.
O ataque dos percevejos
As instalações do destacamento eram antigas, já deixei escrito, mas o que tornava as coisas menos agradáveis era o facto de nos darmos conta da existência de parasitas nas roupas da cama, tais como percevejos, que motivaram uma grande desinfecção, que veio a mostrar-se insuficiente, porque tais parasitas estavam metidos na palha dos colchões e o desinfectante ali não chegava.
Eu próprio passei pela experiência de me ver assaltado por essa bicharada, numa noite em que duma baínha descosida da cobertura da cama ao lado, iam saíndo exemplares que procuravam introduzir-se na minha.
Tal aconteceu num fim-de-semana em que o ocupante habitual da cama se ausentou e, talvez por isso, a fome os tivesse obrigado a fazer o assalto.
Com um isqueiro, fui fazendo estalar como castanha assada cada um deles e, quando o gás se acabou no isqueiro, peguei num tubo de cola-tudo e fui deixando colados à cobertura da minha cama todos os percevejos que foram saindo dessa baínha descosida.
Ao nascer do novo dia tinhado colados na cobertura da minha cama cerca de 30 bicharocos.
Chamei então o oficial-dia para lhe mostrar em que condições tínhamos ali o nosso alojamento, tendo então lugar essa grande desinfecção.
Os efeitos do hipnotismo
O tempo foi decorrendo e a festa de final da recruta aproximava-se, havendo um pormenor muito curioso que nunca esqueci:- o de um camarada de outro pelotão ser hipnotizador e ter participado na festa com algumas das suas habilidades, que por vezes também apresentava quando decorria a instrução em horas de serviço, no quartelamento.
Foi, assim, que uma vez "convenceu" um recruta a saltar o plinto,  que nunca tinha conseguido saltar, depois de o adormecer e sugestionado, convencendo-o de que era capaz. E foi.
Num outro dia em que estava esse camarada, eu e o Freire sentados à mesa de um café, a minha curiosidade sobre essa arte, levou-me a interpelá-lo sobre quem seria mais fácil de hipnotizar - se eu ou o Freire. A resposta foi pronta:- tu, por estares tão interessado no assunto, porque eu só consigo hipnotizar quem se deixa sugestionar pelas minhas palavras.
A nossa opinião passou a contar
É sabido que no serviço militar as ordens não se discutem - cumprem-se.
Assim nos ensinavam e assim era por nós cumprido, estivessem bem ou mal dadas as ordens.
Foi por isso com alguma surpresa que recebemos do nossos comandante, através dos monitores Ramos e Raposo, a sugestão para que fosse dada a opinião de cada um de nós sobre o comandante, fazendo-o por escrito, sem nos identificarmos.
Fui um dos que o fez, utilizando a máquina de escrever para tal.
De modo a ser recolhida a carta, sem que se percebesse a origem, eu próprio recolhi a de outros e no meio delas misturei a minha, entregando-as então a um terceiro para as fazer chegar ao comandante.
Aconteceu isto num final de tarde, quando estávamos prestes a iniciar uma instrução nocturna, colocando-me eu em posição estratégica perto dele, de modo a dar-me conta das suas reacções.
E assim aconteceu.
Se algumas cartas lhe proporcionaram sorrisos e abanares de cabeça, uma houve que ele leu, releu, introduziu no bolso, de novo retirou, de novo leu e de novo releu.
Identifiquei perfeitamente como sendo a minha.
Não foi insultuosa a carta que lhe dirigi, mas procurei fazer-lhe ver que a autoridade não se exerce como ele a exercia, valendo-se apenas dos galões.
Nós também éramos homens e devia aprender a lidar com homens, para ter o respeito dos homens.
Dizia-lhe também que a forma como lidara com o problema dos piropos no trabalho-de-estrada, tinha sido de uma grande injustiça.
Nos dias que se seguiram houve uma movimentação frenética por parte dos monitores, procurando descobrir o autor da carta.
Sem êxito, porque nem eu não os companheiros do Fundão o revelaram, se bem que se desconfiasse do nosso grupo.
De qualquer modo, a partir daí aconteceram mudanças radicais de comportamento, por parte do comandante do pelotão.
Passou a almoçar muitas vezes junto dos seus comandados, no refeitório dos recrutas, deixou de ser exigente na ordem unida, passou a confraternizar connosco frequentemente e passou a estar sempre disponível para nos ouvir.
O desenrasque
Uns mais, outros nem tanto, todos aceitavam com desportivismo as partidas que se faziam na caserna - recrutas que acordavam na casa-de-banho ao romper do dia, colchões completamente inundados por algum cantil que misteriosamente aparecia desarrolhado dentro da cama, cabeçalhos que apareciam amontoados no meio da parada, sinfonia  do roncar de algum, amplificada durante a noite num rádio-gravador... etc.etc.
A culminar a recruta e em véspera de abalada, aconteceu a batalha dos cabeçalhos, que deixava a caserna em verdadeiro estado de sítio e os equipamentos em muito mau estado de conservação, fazendo-se depois verdadeiros milagres na sua recuperação ou reposição, para que o espólio se pudesse fazer sem ter que pagar algum dele.
Mas se alguém se dava conta de que lhe faltava qualquer peça, apenas "se desviava" uma dum qualquer sítio onde existisse, chegando-se ao final com os inventários perfeitamente certos.
A tropa tinha essa regra de ouro - cada um tinha de se desenrascar.
O jantar de despedida
Com o aproximar do fim da recruta, surgiu o alvitre para que se realizasse um jantar de despedida, englobando também os monitores e o comandante do pelotão.
Foi dito na altura que a iniciativa tinha sido do próprio"Gato Félix", para arranjar pretexto a umas palavras de circunstância que justificassem as suas anteriores atitudes.
Verdade ou não, quem não deixou passar a oportunidade para se revelar como autor da tão falada carta, fui eu.
Houve alguma surpresa, mas ao mesmo tempo confirmou-se ali a desconfiança que havia em relação ao grupo do Fundão.
Afinal não tinha sido o grupo, mas um só elemento do grupo.
Não recordo se houve algum tipo de justificação, mas lembro-me perfeitamente desta frase:- gostava de trocar contigo umas impressões sobre o assunto, antes de nos despedirmos.
Respondi simplesmente:- estou à sua disposição.
Mas tal conversa nunca chegou a acontecer e lá parti para Vendas Novas, para frequentar o curso da especialidade.
Vim a constatar mais tarde, na chegada a Vendas Novas, que comigo levava um parceiro clandestino - nada menos que um percevejo.
Um cartão de visita da Escola Prática de Cavalaria, de Santarém, para a Escola Prática de Artilharia, de Vendas Novas.
Mas a forma como ele se apresentou, será aqui contada mais tarde, noutros capítulos.
Entretanto, aqui fica a letra de uma cantiguinha gentilmente cedida por J.A.V.Freire, irmão do saudoso Carlos Freire, com o título muito sugestivo de:
NÃO SEI SE ERA PULGA OU SE ERA PERCEVEJO… !
A pulga e o percevejo
Fizeram ´ma combinação
Cantar uma serenata
Debaixo do meu colchão
      Torce e retorce
       Procuro e não vejo
      Não sei se era pulga
      Ou se era percevejo
Uma noite eu sonhei
Que comia um bom queijo
De manhã quando acordei
Mastigava um percevejo
      Torce e retorce
      Procuro e não vejo
      Não sei se era pulga
      Ou se era percevejo
A pulga toma chá
O percevejo o seu café
O danado do piolho
Também toma o seu rapé
      Torce e retorce
      Procuro e não vejo
      Não sei se era pulga
      Ou se era percevejo

terça-feira, 19 de junho de 2012

Uma vez mais Barcelona - por Gaudí, mas não só !

O fascínio por Barcelona e pelas obras de Gaudí, foi de novo a grande motivação para este regresso à capital catalã, mas que também proporcionou visitas a lugares interessantes como Lloret de Mar, Blanes, Girona, Sant Feliu de Guíxols e um maravilhoso périplo pela Costa Brava, até Tossa de Mar. 
Mas este programa de 4 dias e 3 noites possibilitou desde logo a visita ao Parc Güell, que não tivera oportunidade de ver na anterior deslocação a Barcelona e, apesar de feito um pouco a correr, valeu a pena subir a encosta acima da cidade, onde se situa esta obra encomendada pelo industrial Eusebio Güell a Gaudí.
Também tiveram a nossa interessada visita, ainda que breve porque mais não era possível, as outras obras de Gaudí - Sagrada Família, Casa Batlló e La Pedrera.
Foram muitos os quilómetros percorridos de autocarro, mas o esforço foi compensado pelo regresso a esta cidade do meu encantamento, onde uma vez mais foi possível assistir ao espectáculo de água, luz, cor e música, que nos é proporcionado pela fonte luminosa de Montjuic, visitar de novo o bairro gótico, rever a catedral de Barcelona, passear pelas ramblas e comungar do bulício que tanto atrai as pessoas.
A visita que em Girona foi feita à catedral consagrada a Santa Maria e que possui a maior nave gótica do mundo, com um tamanho total de 22,98 m., permitiu  também a subida às muralhas e um agradável percurso pelas ruelas do Bairro Judeu, que é atracção turística desta cidade medieval. Na escadaria desta catedral foi tirada a foto de família, para mais tarde recordar.
E a boa disposição também nos é servida por episódios que, tantas vezes repetidos, se tornam praxe obrigatória na condução dos grupos visitantes - o beijo no rabo da leoa.
No regresso e de passagem, foi  interessante visitar Lérida (ou Lleida), onde o calor não foi impeditivo de subir ao castelo e admirar a catedral de Nossa Senhora da Assunção, de planta românica, erguida sobre uma antiga mesquita, com uma panorâmica majestosa sobre a cidade.
A excursão foi muito agradável, podendo dizer-se que a relação preço/qualidade esteve a um nível bastante elevado e que o grupo, sempre cumpridor dos horários estabelecidos, contribuiu de forma muito positiva para o êxito deste passeio.
Uma palavra final de apreço a Dulce Carvalhais, que orientou o grupo, ao guia Márcio Barbosa e aos motoristas do autocarro, Joaquim e José Luís.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Visita a Guimarães, capital europeia da cultura

Era uma das visitas que tinha imposto, a mim mesmo, fazer. Esperava apenas pela melhor oportunidade.
E ela surgiu agora, com a ida a uma consulta oftalmológica por parte da esposa, no Porto. Estando relativamente perto, tinha de rumar a Guimarães, revisitar uma cidade que já conhecia, mas não tão bem que não se justificasse esta visita um pouco mais prolongada, em tempo de eventos inseridos na sua condição de Capital Europeia da Cultura.
E valeu bem a pena, apesar das condições climatéricas não serem as melhores.
Mas não é também por acaso que Guimarães foi elevada a Património Cultural da Humanidade, por parte da UNESCO, em 2001. Guimarães é de facto uma verdadeira pérola arquitectónica.
E logo que entramos na cidade não pode passar despercebida a inscrição numa das muralhas "Aqui nasceu Portugal". Estamos, pois, no berço da nação.
Contudo e curiosamente, tinha uma certa pressa em localizar o estranho (para mim) alpendre gótico que é apresentado como referência de uma das praças de Guimarães. E lá me cheguei a ele, ficando a saber que é o Padrão do Salado, comemorativo da vitória na batalha do mesmo nome, em 1340, erguido durante o reinado de D. Afonso IV, e enriquecido pelo cruzeiro que Pero Esteves, um negociante vimarenense a residir em Lisboa, decidiu ofertar.
Está situado em frente da Igreja da Senhora da Oliveira, no bem preservado largo com o mesmo nome, um dos espaços do centro histórico que dá gosto visitar.
Mas as características medievais de outras praças, como a de Santiago, com as suas esplanadas, são um convite permanente para ficarmos por ali em alegre cavaqueira com as simpáticas pessoas que nos servem bebidas e petiscos nessas esplanadas.
E se o centro histórico de Guimarães é todo ele um encantamento, muitos outros monumentos nos fazem deambular de um lado para o outro na busca de os conhecermos.
Desde o castelo, passando pelo Paço dos Duques de Bragança, contemplando o Convento de Santa Clara, de fachada barroca, onde se encontra actualmente a Câmara Municipal, descer a Rua de Santa Maria, um dos testemunhos mais antigos e privilegiados da história vimarenense, já que foi uma das primeiras ruas da povoção, então ainda primitiva, cruzar as ruelas primorosamente tratadas e conservadas na sua traça original, passar e admirar a Igreja da Misericórdia, para chegar ao que é tido como o coração da cidade - o Largo do Toural.
Mas muitas outras preciosidades há para apreciar, tal como a Igreja de Nª.Sra. da Consolação e Santos Passos, a Igreja de S. Francisco, com um altar majestoso, o Museu Arqueológico Martins Sarmento, o Museu de Alberto Sampaio que ocupa o emblemático espaço onde se ergueu o mosteiro da Condessa Mumadona, ou fazer uma caminhada até ao palácio Vila Flor, onde também se encontra o Centro Cultural com o mesmo nome, rodeado por um belíssimo jardim.
Mas descendo a bem conservada Rua D. João I, não podemos deixar de andar de cabeça no ar, olhando os edifícios circundantes que mantiveram as suas características originais, acabando por chegar ao final da mesma, a observar novo padrão, este dedicado precisamente a D.João I.
Nem tudo o que Guimarães nos proporcionou ver, aqui se encontra referido, porque também muito mais há para ver e só uma nova visita permitirá conhecer melhor esta cidade maravilhosa.
Não posso deixar de dizer, a terminar, que foram dois dias fantásticos, estes, passados em Guimarães, Capital Europeia da Cultura.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

DIA DA MÃE

Porque é este chamado de dia da Mãe ?
Se em todos os dias da vida de cada um de nós a Mãe é sempre a mesma, será para lembrar os mais distraídos que ainda não mudaram de Mãe ?
Mas, sim, a Mãe não merece apenas um dia... merece todos os dias das nossas vidas.
E hoje "estarei" com a minha, dedicando-lhe esta poesia:

MÃE
a protecção
que se sente
sem dela ter a noção
desde que nos tornamos gente.
Mas se sempre estiver presente
será na vida orientação
cuja falta só se sente
porque no ombro a sua mão
já não poisa, está ausente.
Mas aqui, no coração
num amor que é constante
beijos sempre chegarão
porque aqui estás presente
e serás para todo o sempre
MÃE

... para ti Mãe.
06.05.2012

quarta-feira, 11 de abril de 2012

FUNDATUR - a história em livro

Foi apresentado pelos meus filhotes David e Vera, no Restaurante do Parque de Campismo da Fundatur, em 11.03.2012.
Um dia inesquecível para mim.
Se a participação dos filhos (que serão sempre os meus filhotes) tornou especial o acontecimento, a presença da família e de tantos amigos deu a nota de fraternidade e enriqueceu uma tarde vivida no lugar dos acontecimentos descritos no livro, de tal modo, que em muitos momentos a emoção se apoderou de mim e só muito dificilmente disfarcei algumas lágrimas que, obviamente, não eram de tristeza.
E se me senti, e sinto, grato pela presença de todos esses amigos, não posso deixar de mencionar aqui aquele que é uma referência para mim, o amigo da família João Garcia (alpinista), por quem tenho uma grande admiração, que me deu a honra da sua presença.
A razão de ser do livro explica-se por esta frase da resenha: "O parque de campismo da Fundatur marcou a vida de muitas pessoas. Uma delas foi a minha".
E as pessoas nem sempre são lembradas, como merecem.
O livro serve, pois, para lhes prestar a minha homenagem, deixando registado o seu nome, até porque grande parte delas já não pertence ao número dos vivos.
Depois, chegam-me as palavras de "agradecimento" pelo que deixei escrito a respeito de algumas das pessoas referidas no livro, quando na verdade sinto que devo ser eu a fazer esse "agradecimento", por ter sido entendida a mensagem que pretendi deixar através dele.
Valeu a pena e mais gratificante não podia ser para mim. Bem hajam por este momento tão especial.