sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Sob as agruras do tempo

Os fundanenses conhecem-no muito bem.
Surdo-mudo, filho do Sá, também filho de outro Sá - o Manuel Sá - uma figura respeitada no seio da família cigana, que sempre conheci no Fundão.
Este Sá “vive” ao fundo da Avenida (a da Liberdade, no Fundão) num improvisado assento, que tanto pode ser uma velha cadeira, um balde virado ao contrário ou um paralelo da calçada, olhando o trânsito ou aqueles que por ali passam.
Assume, por vezes, atitudes que os automobilistas muito receiam, ao exibir pedras na mão que ameaça projectar contra os pára-brisas.
Tem alturas em que gesticula veementemente, por razões que não consigo entender, mesmo nos momentos em que o presenteio com uma moeda ou com algo para comer.
Ainda há relativamente pouco tempo vinha da quinta de um irmão meu, com um saco de diospiros. Acenei com dois deles, e de imediato foram por ele recolhidos.
Ainda que não muito maduros, começou a devorá-los, com uma careta que mostrava bem a acidez que a fruta tinha. Mas a fome ajudava a anular a acidez.
O seu pai foi hoje a sepultar.
E dele recordo o pedido que me fez para internar este filho nos serviços de saúde mental da Covilhã, quando eu era secretário da Junta de Freguesia do Fundão.
Fui bem sucedido nas diligências que então fiz e de facto esteve internado durante uns tempos.
Mas, surpreendentemente, passado pouco tempo vejo-o de novo no Fundão.
Procurei o pai para saber o que se tinha passado e então sou informado:
- Eles queriam matar o “meu menino”, com os remédios que lhe davam… !
Compreendi perfeitamente que nada havia a fazer.
E este Sá, cujo nome não sei mas que é filho do Sá que eu conhecia e que hoje nos deixou, neto do Manuel Sá, ali continua sob as agruras do tempo.
Como companheiros:-  a chuva, o sol, o frio, o calor… a fome.
Imprimir artigoGuardar como PDF

11 comentários:

Anónimo disse...

Sei mesmo, as pedras, e passo ali a 10 anos. ele sempre ali, mas o que fazer.........As vezes, nós sentimos que para ele está tudo bem, mas fome , e entre outros. E ai como diz as minhas raízes, onde está a Dignidade de um ser humano, é viver....é tentar ser feliz.. não será assim..........

Anónimo disse...

já pensaram se será mesmo algum problema mental? ou se será algum problema de língua, pois se é surdo não necessetaria de aprender uma língua a língua gestual para conseguir comunicar e perceber que tem uma língua? bem como um problema de identidade por se ver como um único surdo na cidade e não ser compreendido por ninguém......?

Diogo Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.