Num dos períodos de férias em
tempo de comissão militar na então cidade Salazar, hoje N’dalatando, Angola, eu
e dois dos companheiros do PAD 1245, resolvemos ir conhecer um pouco do sul de
Angola, nomeadamente Lobito, Benguela e Nova Lisboa, fazendo um circuito a
iniciar em Luanda. Para além de mim, faziam também parte do pequeno grupo o
Conceição e o Ferreira, sendo os três furriéis do P.A.D. 1245.
A viagem teve o seu início a
bordo de um barco de passageiros cujo nome já sumiu da nossa memória, no qual pernoitamos
enquanto este navegava rumo ao Lobito. O Ferreira dizia-me há dias, quando lhe
lembrei esta viagem, que nunca esqueceu a sopa de feijão vermelho e hortaliça que
nos foi servida à refeição, mas o menú completo nenhum de nós foi capaz de
recordar.
O Lobito foi então visitado
durante o tempo de espera pela partida do comboio dos CFB (Caminhos de Ferro de
Benguela), o chamado Comboio Mala, que havia de nos levar até Benguela e daí
para Nova Lisboa, depois de passar na Catumbela, Cubal e Caála. Durante a
visita ao Lobito tive oportunidade de subir a bordo da máquina nº. 1 do CFB que
ali se encontrava exposta.
Foi no conforto de uma
carruagem-cama que nos instalámos e passámos a noite, usufruindo também do
impecável serviço de restaurante que na altura foi muito apreciado. A
experiência que esta viagem nos proporcionou não foi esquecida até hoje.
Outro atractivo desta viagem, na
parte que englobou o comboio, tem a ver com a beleza do percurso que nos foi
dado apreciar, principalmente com o findar da claridade do dia e o seu início
no amanhecer, ao longo dos mais de 300 km percorridos enquanto o comboio subia,
num andamento remanchão, para o planalto central até ao Huambo-Nova Lisboa. Mas
a beleza das zonas rochosas que a composição ia atravessando não lhe ficava
atrás.
Estávamos então em 1969 e nessa
altura o tipo de locomotivas usadas na tracção da composição do comboio eram já
diesel-eléctricas da marca “General-Electric” que começaram a ser adquiridas a
partir de 1961, embora tenha a ideia de que na altura ainda eram utilizadas as
locomotivas Beyer-Garratt de fabrico australiano, talvez mais em comboios de
mercadorias.
Nova Lisboa surpreendeu-nos pela
sua grandeza, enormes avenidas, uma actividade comercial intensa e edifícios de
grande volume, liceu, instituto Superior de investigação Veterinária, hospital, cinema, vários clubes, etc.
Depois de nos instalarmos numa
residencial perto da central de camionagem, tivemos oportunidade de ir ao
cinema e nos dois dias seguintes demos voltas para conhecer o mais possível da
cidade, até encetarmos o regresso a caminho de Luanda, vencendo os 600 km de
distância.
A meio do caminho desse longo
percurso, o autocarro que até já era de razoável conforto, fez uma paragem para
o almoço num restaurante à beira da estrada.
Ainda hoje recordo que na valeta andava
uma porca a focinhar, com uma manada de leitões a imitá-la. Ora naquela fase da
comissão, os nossos comportamentos ultrapassavam por vezes os padrões de gente
equilibrada, sendo chamados de “cacimbados” ou “apanhados do clima”. Comigo,
acontecia que gostava de imitar o roncar de um porco, levando-me a fazê-lo
quando me confrontei com aquela porca. Então ela deixa de focinhar, levanta
para mim o focinho e fixa-me, fazendo duas vezes: crrom-crrom. Imaginei que na
linguagem porcina tenha respondido:- vai dar uma volta !
Depois da chegada a Luanda, onde
passámos uma noite na Pensão Setubalense, houve que decidir do regresso à
Cidade Salazar e a opção quanto ao transporte foi o combóio, que iria demorar
um dia, mas que não perturbava os nossos planos. Aliás, a vantagem em ir de
comboio resultava também do facto de beneficiarmos de um bónus de 75% no custo
da viagem em 2ª. classe por sermos sargentos do exército português, bónus que
se obtinha junto dos serviços dos Caminhos de Ferro e Transportes de Angola,
que apunha um carimbo no verso do B.I.Militar com essa certificação.
Já tínhamos a experiência de outras viagens
semelhantes e por isso esta era mais uma que iria permitir sair do comboio em
certos trechos do percurso, ir colher um cacho de bananas a que chamávamos
banana-macaco por serem de tamanho mais reduzido, das muitas que havia junto à
linha do comboio e regressar de novo à composição. Isto acontecia
principalmente nas zonas montanhosas como era a subida da zona dos Morros de
Salazar, em que o comboio tinha uma marcha tão lenta que podia ser acompanhado a
pé, marchando a seu lado.
Passaram 50 anos, mas recordar aqueles momentos é como rebobinar de forma inversa a fita do tempo. E como é bom poder fazê-lo.